Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre
Redescobrir e reviver em profundidade o significado do compromisso batismal! Eis a oportunidade que o tempo quaresmal oferece a todos. Os quarenta dias que antecedem a celebração da Páscoa representam ocasião propicia para redescobrir o que significa ser cristão e o sempre necessário progresso no conhecimento e no amor de Cristo.
Este tempo representa uma estação ou peregrinação propícia para se treinar com maior tenacidade na busca de Deus, orientados, sobretudo, pelo Evangelho do Crucificado-Ressuscitado. Tal disposição é expressão do desejo humano de aproximar-se de Deus. É neste contexto que ressoa de forma contundente a exortação de Jesus: “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Converter-se não é expressão de um esforço pessoal em vista de possível autorrealização ou sucesso pessoal. Isso porque o ser humano não é senhor do próprio destino. Ele não se faz, mas é expressão de amor que não surge de si mesmo. Poder-se-ia dizer que conversão consiste em não se considerar ‘criadores’ de si mesmos, mas filhos e filhas do Eterno, nossa origem e destino.
Converter-se significa, para o batizado, compreender a versão de Deus para a humanidade de todos os tempos, condensada no Evangelho; significa procurar Deus, estar com Deus, empenhar-se por viver e conviver segundo as indicações oferecidas por Deus ao longo da história da salvação, cujo ápice é o mistério da encarnação. Converter-se consiste em abandonar qualquer forma de segurança humana e lançar-se com confiança e simplicidade no seguimento do Senhor Jesus.
Durante o período da Quaresma a Igreja nos oferece instrumentos ascéticos e práticos para que cada um possa percorrê-lo frutuosamente. São quarenta dias em que cada um pode realizar e aprofundar uma experiência ascética e espiritual. O jejum, a oração e a caridade (esmola) são as práticas consagradas pela tradição para quem se dispõe a referida experiência. Ela encontra seu vigor na determinação pessoal de realizar o caminho proposto.
Merece destaque durante o tempo da Quaresma o exercício da caridade: Deus caritas est. É nesse contexto que a Campanha da Fraternidade – proposta, desde 1963, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – encontra sua razão. Afinal “a caridade não é uma espécie de atividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência”. (…) A doutrina cristã sobre o Estado e a doutrina social da Igreja sempre consideraram como “norma fundamental do Estado a prossecução da justiça e sua finalidade a justa ordem social, garantindo a cada um, no respeito do princípio da subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns” (Bento XVI). Disso decorre a conveniência de promover no seio da sociedade, séria reflexão sobre um aspecto da vida social que necessita de especial atenção – e, talvez, conversão! – a fim de promover a implantação do Reino de Deus anunciado por Jesus.