Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros (MG)
Para ver tudo a partir de Deus é preciso, em primeiro lugar, professar Deus. Ter fé. A teologia nasce da fé, do encontro com Deus. O primeiro ato teológico é o ato de crer. A teologia é ato segundo. Faz-se no coração daquele que se dobra diante do Mistério. Todo aquele que crê possui a semente da teologia, pois esta brota das terras fecundadas pela fé.
E o ato de fé se dá no coração do ser humano, o mesmo coração que busca as razões das coisas e da esperança, da fé e do amor. Se de um lado a fé suporta buscas, perguntas, de outro a busca de respostas fundamenta a fé. O que é incompatível com a fé não são as infinitas perguntas, mas a dúvida ou a descrença. Damo-nos conta, então, de que não é possível ser teólogo sem a fé. Às vezes se ouve dizer que a teologia faz perder a fé. Talvez isso ocorra quando a inteligência não conseguiu integrar o ato de crer com o ato do pensar, ambos dons de Deus para o ser humano, dons do criador.
Como se pode então aprender a ver tudo à luz de Deus? A resposta coincide com o fundamento da própria teologia: aprende-se a ver tudo à luz de Deus a partir da fé. A fé cristã professa no seu núcleo que o “Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Tudo o que é humano e com o ser humano se relaciona, tem a ver com Deus. Pois ele mesmo se encarnou. Não existe realidade fora do alcance de Deus. Ele é a luz que a tudo ilumina e tudo alcança. Ver tudo à luz de Deus é fruto de um lento exercício. Exercício de contemplação. Trata-se de um ver com os olhos da fé, de um olhar que se funde na contemplação e na percepção de que Deus tem a ver com isto… e com aquilo…
O que Deus tem a ver com a aurora do dia, com o silêncio da noite, com a algazarra das crianças, com o afago dos apaixonados? O que Deus tem a ver com a luta pela terra, com a abundância e com a escassez da água, com a fome e com o desperdício, com a guerra santa, com o terror, com a violência? O que Deus tem a ver com a história, com os desencontros entre os povos, com as previsões catastróficas, com a destruição da camada de ozônio? O que Deus tem a ver com a manipulação genética, com as vacinas, com as próteses, com as radioterapias e as quimioterapias, com as córneas doadas e com o paciente de hemodiálise que aguarda o novo rim? O que Deus tem a ver com a vida? O que Ele tem a ver com a morte?
Para aquele que crê uma resposta pode ser balbuciada: Deus tem tudo a ver com tudo! E o teólogo é aquele que aprende que tudo pode ser visto com a luz de Deus, com a luz da fé. Não se trata de uma técnica que se aprende em alguns anos de estudo. Não se trata de cumprir os requisitos acadêmicos de um curso de teologia, de julgar-se sabedor de Deus, conhecedor de todas as doutrinas, defensor de todos os dogmas, cumpridor de todos os cânones. Lembrem-se todos: “Se eu não tiver amor, eu nada sou” (cf. 1Cor 13,2-3).
As duas asas, as asas da razão e da fé, nos fazem alçar voos e perceber que muitas perguntas permanecerão sem respostas, que a sabedoria advém do esvaziamento, que a tradição não é impedimento, mas impulso, que a disciplina não é rigidez, mas ascese daquele que deseja. Perceber que Deus não ficou diferente porque “eu sou teólogo”. Experimentar que “eu sou teólogo”, exatamente, porque não sou Deus.