Dom Francisco Biasin
Bispo da diocese de Barra do Piraí-Volta Redonda (RJ)

O ritmo do tempo e a alternância das estações marcaram a história da humanidade, definiram culturas de grande envergadura e fizeram nascer civilizações milenares. A nossa época, marcada por rápidas e profundas transformações, mudou o sentido do tempo que não se baseia mais no mudar das estações e na alternância de luz e treva, incidindo nem sempre positivamente na vida e até no relógio biológico de muitas pessoas

Quero focar nesta reflexão o sentido treva-luz! São termos antagônicos e definem em todas as culturas a noite e o dia, mas também o mal e o bem, a morte e a vida, a mentira e a verdade. Será que tem sentido falar de luz e trevas no nosso tempo em que se troca a noite pelo dia, a luz do sol por holofotes de intensíssima luz, o repouso pela produção, a atividade pelo prazer, a gratuidade pelo interesse?

Talvez devamos ressignificar ou até reinventar o seu sentido! Para isso podem nos ajudar alguns acontecimentos evangélicos narrados por homens de cultura semítica que com muita facilidade passam do real ao simbólico, do sinal histórico ao seu significado oculto.

Lucas nos diz, narrando a paixão e morte de Jesus: “Era já mais ou menos a hora sexta (meio-dia) quando o sol se apagou e houve treva sobre a terra inteira até a hora nona (quinze horas), tendo desaparecido o sol”. (Lc 23, 44-45a)

É claro que o desaparecimento do sol, corresponde à morte de Jesus e as trevas consequentes ao crime praticado por eliminar o inocente, o justo e santo! A própria natureza e o cosmos estremecem diante da loucura da cruz!

No nosso tempo algo parecido acontece e, na descaracterização do sentido do tempo e da alternância das estações, se faz presente cada vez mais forte um período de trevas, uma prolongada noite cultural e coletiva de perda de sentido que dói na alma das pessoas, que faz estremecer as instituições (família, educação, igrejas, etc.), os relacionamentos interpessoais e chega a atingir a própria identidade da pessoa humana. O mundo parece doente e as relações internacionais entre estados e nações são ameaçadas por ventos de guerra! Assim reaparecem as perguntas inevitáveis e fundamentais: Quem somos? A que viemos? Pra onde vamos? Por que nos agitamos? Que mundo é este? Para que serve ser bom e honesto?

A escuridão do calvário também envolveu e atingiu na alma Aquele que tinha afirmado “Eu sou o caminho, a verdade e a vida!”, pois gritou: “Por quê?”. Neste grito estão contidos todos os “porquês” da humanidade de todos os tempos e de todos os lugares! Ele assumiu todas as nossas angústias de tal forma que ninguém pode dizer, nem pensar: Deus não me compreende e está longe de mim e da minha dor!

Talvez na nossa época quem mais intensamente viveu e interpretou o que se passa na humanidade foi Santa Tereza de Calcutá que deixou escrito: “Se eu alguma vez vier a ser santa, serei certamente uma santa da “escuridão”. Estarei continuamente ausente do Céu para acender a luz daqueles que se encontram na escuridão na terra”. (Venha, seja a minha luz. Os escritos privados da santa de Calcutá. Petra pag. 13)

É alento na nossa escuridão e certeza para a nossa fé o que professamos com toda a Igreja no memorial da suprema entrega de Jesus: Anunciamos, Senhor a vossa morte! Proclamamos a vossa ressurreição! Vinde, Senhor Jesus!

Feliz Páscoa!

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