Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Nos últimos anos os poderes que caracterizam a democracia ficaram em evidência de forma muito significativa, seja pelas tarefas que lhes são atribuídas pela legislação, seja pela exposição de seus membros, num verdadeiro caldeirão de fatos e posições, com as respectivas notas dadas pela opinião pública e pelos meios de comunicação. Em tempos de ebulição política, cujo escoadouro esperamos encontrar nas próximas eleições, vemos homens e mulheres julgados a cada dia, tantas vezes condenados à revelia, outras vezes com suas eventuais culpas jogadas debaixo dos tapetes!
Um dos poderes, o judiciário, é hoje mais conhecido do que antes, deixando até saudade da discrição com que magistrados já foram reconhecidos e elogiados como instância última e definitiva na avaliação dos atos de pessoas e instituições. E justamente aqui se encontra uma das mazelas de nosso tempo, a excessiva exposição de pessoas constituídas em poder justamente para significarem referências éticas, morais e sociais. Há um significativo desgaste, lamentável por deixar tanta gente perdida no emaranhado de leis, recursos, apelos e outros procedimentos. Nosso apreço e respeito pelos magistrados lhes sirva de apelo para que evolua para o bem sua atuação na sociedade, superando aquilo que hoje nos escandaliza, quando identificamos posições incoerentes com os valores maiores que esperamos vê-los representarem.
A Solenidade de Cristo Rei, com a qual a Igreja nos brinda neste final de semana, traz consigo reflexões que podem iluminar o exercício do poder entre nós cristãos e também como luz a ser oferecida à sociedade. Deus é bom, justo e verdadeiro. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Princípio e Fim, Senhor da História e de todas as almas. Acolhê-lo como Senhor é condição de salvação e de felicidade. “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6, 33). Esta é a escolha mais digna e acertada de toda pessoa humana.
Todos os homens e mulheres deverão apresentar-se diante do Senhor, ao final de sua caminhada terrena, pois “está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento” (Hb 9, 27). É o que chamamos “juízo particular”, no confronto alegre e ao mesmo tempo doloroso e purificador.
No final de tudo, sabemos que “Deus pôs tudo debaixo de seus pés. Ora, quando ele disser: ‘Tudo está submetido’, então o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos” (Cf. 1 Cor 15, 27-28). Quando a Obra estiver completa, no tempo só sabido por Deus, todos estaremos diante do Juiz Universal: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, ele se assentará em seu trono glorioso. Todas as nações da terra serão reunidas diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Mt 25, 31-32).
E aqui se encontra nossa alegria e nossa responsabilidade. Alegria porque o Reino de Deus é dado, vem do alto. Responsabilidade, pois pede nossa resposta corajosa e pronta. Passaremos pelo fogo do cadinho que será o confronto com o Senhor, mas será um exame totalmente libertador, pois aquele mesmo que é Juiz é Pastor e Senhor Misericordioso. A nós, na prova final, será exigido o que ele revela no Evangelho: “Em verdade, vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25, 40). Temos toda a vida para exercitar a única coisa que não passa, o amor aos irmãos, consequência do amor a Deus e da procura do Reino de Deus acima de tudo.
O que falta na justiça humana? O núcleo da proposta de Deus, que é o reconhecimento de sua presença, na certeza de que ele nos vê e valoriza todos os pequenos gestos, sem exceção, com os quais o reconhecemos e servimos. Aos olhos de Deus, todos os subterfúgios, artimanhas, recursos, tudo fica a nu diante dele. O amor de caridade, nascido de Deus, é o único capaz de restaurar as relações humanas e sociais. Nele está a possibilidade de purificar, se as pessoas o aceitarem de coração aberto e sincero, todas as maldades e falcatruas existentes. Nele é possível puxar de novo o fio da meada de tudo o que nos escandaliza na sociedade atual.
Sem as riquezas éticas e morais vindas do Evangelho, continuaremos patinar na lama das opções ideológicas correntes, e os poderes humanos, sejam quais forem os sistemas políticos, estarão fadados ao fracasso. Permitam-nos dizer, com toda força: só o Reino de Deus, só o Reino de Jesus Cristo fará com que as organizações humanas se consolidem. Ele não rouba nada de ninguém, não prejudica as justas aspirações de dignidade, participação e liberdade, antes as eleva ao nível mais alto, do tamanho da eternidade e as faz preencher os vazios do coração humano.
Rezemos: Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, Rei do universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente. Amém!