Um poema na véspera de Natal 

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

 

Na véspera de Natal, o mundo respirar de outro modo. Há um silêncio, uma pausa mais profunda, como se a história, por um instante, diminuísse o ritmo para escutar a si mesma. As luzes, os gestos repetidos, os encontros marcados, convivem com uma pergunta quase muda sobre o amanhã. E é justamente nessa véspera, nesse intervalo delicado entre o que ainda não aconteceu e o que já se anuncia, que nasce a intuição de um poema. 

O poema surge quando a alma encontra uma forma de dizer aquilo que não se deixa explicar. A véspera de Natal é o lugar natural desse dizer. Não é o dia do cumprimento, mas o instante suspenso no entardecer. Tudo ainda é frágil, tudo pode se perder, tudo pode nascer. A véspera educa o coração para a espera sem controle, para a confiança que não exige garantias. 

Assim foi também na primeira noite. Antes da manjedoura, houve a longa fadiga da história, o peso do domínio estrangeiro, a esperança cansada de um povo que rezava há gerações. Neste horizonte que se fechava Deus se decide por não abandonar a história. 

A esperança católica nasce da coragem de acolher. O Natal começa com uma presença. Um menino colocado no centro do mundo. Um Deus que se oferece como companhia fiel. E um futuro que já não precisa ser enfrentado sozinho. 

Talvez por isso tantas narrativas natalinas falem de transformação interior mais do que de milagres visíveis. Há pessoas que precisam revisitar o próprio tempo para reaprender a viver. Há pobres que se tornam ricos quando descobrem que o dom vale mais do que o objeto oferecido. Há poetas que intuem que a vida só permanece quando é tratada com ternura. Todas essas histórias tocam o mesmo mistério que a fé contempla em Belém. O coração humano se reordena quando encontra sentido no amor que se entrega. 

A véspera de Natal tem essa densidade espiritual. Nela, tudo permanece vulnerável. A paz, as relações, os sonhos, a própria fé. E ainda assim, a Igreja nos conduz a uma cena desarmada e silenciosa. Uma mulher que confia. Um homem que guarda. Um menino que dorme. A pobreza que não se envergonha.  

Um poema na véspera de Natal é mais que uma imagem delicada. É uma maneira de habitar o mundo. É permitir que o coração escreva, mesmo com mãos trêmulas, uma frase simples de confiança. É olhar a complexidade do tempo presente sem cinismo. É aceitar que a história possa estar confusa sem estar abandonada.  

A véspera, então, se transforma em oração sem artifícios, quase um sussurro por onde Deus chega. O Natal não elimina o sofrimento, mas impede que ele seja o último capítulo. 

Que nesta véspera de Natal cada um encontre o seu poema. Talvez ele não tenha métrica perfeita. Talvez seja apenas um gesto interior de perdão, de recomeço, de confiança retomada, de cuidado silencioso. Algo pequeno, quase imperceptível, como uma manjedoura. É assim que Deus costuma iniciar. 

O Natal confirma que a esperança nunca esteve vencida. Ela aguardava o tempo certo para nascer. Nasce assim, discreta e verdadeira, no centro da noite, no coração da história. O amor chegou! 

 

 

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