Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros
Muitos reconhecem as palavras do título desse artigo como proferidas pelo Papa Francisco. Ele já as disse em muitas ocasiões, mas a principal referência está na sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium, texto programático do primeiro ano de seu pontificado. Releia: “… prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)” (EG 49).
É preciso ousadia para acolher as intuições e as provocações do Santo Padre. Infelizmente, há na Igreja muitos setores que se acomodaram e perderam o elã missionário. É sabido que a força do processo de institucionalização tende a enfraquecer o carisma. A burocratização parece afastar o vigor de quem se encanta pelo evangelho e quer se oferecer para anunciá-lo às pessoas. A excessiva preocupação com a doutrina rouba a escuta sempre interpelante da Palavra de Deus. A busca pelos privilégios e pela segurança estreita os horizontes e afasta os pobres. A rigidez dos procedimentos desanima os mais fracos. A resistência ao novo favorece aqueles que desfrutam dos melhores lugares, quais ninhos protetores.
Sim, para tantos é mais fácil continuar a fazer como sempre se fez; é mais cômodo que fiquem os mesmos de sempre a conduzir e orientar; parece mais seguro nada inovar; é importante, para alguns, permanecer onde sempre estiveram. – Não venham com propostas de mudanças que não se sabe em que vão resultar; e se não der certo… – diria um acomodado. Essas formas de pensar e de atuar são verdadeiros obstáculos para a saída missionária. São como pedras de tropeço para aqueles que compreenderam o “ide” dito por Jesus como um mandado permanente que não permite qualquer forma de instalação.
Cada comunidade eclesial precisa ter coragem e audácia evangélicas de se avaliar à luz dessa compreensão de Igreja proposta por Francisco. Não há mais tempo a perder. Mesmo que alguns poucos insistam em retomar um passado não vivido, na tentativa de recuperar adereços que não falam ao coração das pessoas, há apenas uma saída: as estradas da missão, caminhos nos quais há possibilidades inclusive de acidentar-se, ferir-se ou enlamear-se. Esses caminhos são aqueles que Jesus percorreria. O Mestre de Nazaré andaria por esses caminhos porque sua missão é prioritariamente anunciar o Reino e sinalizá-lo nas expressões concretas de amor, atenção e cuidado com as pessoas. Ele mesmo é o bom samaritano, que ao se deparar com o ferido, compadece-se e não hesita em interromper seu itinerário para cuidar. É o agir de Jesus que nos interpela a sair.