Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)

 

O tempo corre veloz e estamos para iniciar o segundo semestre do ano. Aproveitá-lo com sabedoria é responsabilidade de cada um de nós, sempre acompanhados pela infalível graça de Deus, sempre presente e atuante, quando nós nos abrimos à sua ação santificadora e fortalecedora. Desde os primórdios da Igreja, o Senhor sempre contou com homens escolhidos a dedo, no exercício contínuo de seu amor misericordioso. Dos doze primeiros escolhidos foi-nos dada oportunidade para refletir e deles aprender o caminho da vida, conversão e missão. 

A Igreja põe em nossos lábios as seguintes palavras na liturgia da grande Solenidade celebrada neste final de semana: “Hoje, vós nos concedeis a alegria de festejar os apóstolos São Pedro e São Paulo. Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o evangelho da salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram a única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem hoje, por toda a terra, igual veneração”.  

Queremos agora voltar especialmente nosso olhar para aquele que foi constituído como pedra, e Pedro vem de pedra (Cf. Mt 16,13-19). Ao lado de Paulo, o Apóstolo das Gentes, fecundou com seu sangue a Igreja de Roma. Continuamente o Papa Francisco nos faz entender que ele é o Sucessor de Pedro para o nosso tempo, e vários de seus documentos são datados com a marca da Basílica do Santíssimo Salvador em São João de Latrão, a Catedral de Roma, a sede do Papa. Por ser aquela que preside à Caridade, o Bispo de Roma tem o primado e a responsabilidade por toda a Cristandade, primado de serviço e de amor. 

A Liturgia da Igreja nos faz refletir sobre a figura de Simão Pedro, não tanto para celebrar sua autêntica e grande santidade pessoal, mas por causa do Carisma que recebeu de Deus como aquele que garante a unidade de sua Igreja. Quem foi o Apóstolo Pedro? É filho de Jonas (Mt 16,17), nasceu em Betsaida (Jo 14,44). Vivia com sua família em Cafarnaum, onde Jesus curou sua sogra (Mc 1,29-31). Foi chamado por Jesus a ser seu discípulo quando era pescador profissional (Mt 4,18). Com Tiago e João, veio a formar o pequeno grupo de maior proximidade com Jesus. Teve seu nome trocado por Jesus, expressando assim o próprio Senhor a missão que dele recebeu. 

Os Evangelhos não escondem suas limitações, fragilidades e pecados. Diante do Senhor que o quer pescador de homens, ajoelha-se e se diz pecador, homem frágil. Foi o mesmo Pedro que duvidou quando Jesus o convida a andar sobre as águas, a certa altura prometeu fidelidade irrestrita a Jesus, para depois negá-lo por três vezes. Diante do olhar de Jesus, tomou consciência de seu pecado, chorou amargamente e não se desesperou (Mc 14,66-72). Tudo indica que se refugiou na Comunidade dos Discípulos, ao invés de se isolar! É uma das primeiras testemunhas da Ressurreição, tendo depois a experiência do reconhecimento do Senhor às margens do Mar da Galileia, quando três vezes afirmou seu amor pelo Mestre, para ouvir de novo a palavra decisiva: “Segue-me!”. Para as primeiras gerações de cristãos, a certeza da Ressurreição vinha do sepulcro vazio e da aparição a Simão Pedro. Nos Atos dos Apóstolos, amadureceu na compreensão de sua missão, como ouvimos numa das leituras da Solenidade: “Pedro caiu em si e disse: ‘Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me livrar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava!’” (At 12,11). Sabemos que se tornou referência para a Comunidade primitiva em Jerusalém, passou por Antioquia e depois dirigiu-se à Roma, onde consumou sua entrega a Jesus e à Boa Nova do Evangelho. 

O nome Pedro, visto humanamente, poderia até fazer-nos imaginar, dirigido a Simão Pedro, num cascalho ou pedregulho. No entanto, é rocha, Pedra que sustenta a vida da Igreja, sobre a qual o Senhor quis edificar seu Corpo Místico. Deus escolhe misteriosamente pessoas diferentes e aparentemente raras para fazer a construção de sua Igreja. São Paulo tomou consciência da grandeza da obra de Cristo e assim nos ajuda a compreender: “Ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que já está colocado: Jesus Cristo. Se então alguém edificar sobre esse alicerce com ouro, prata, pedras preciosas ou com madeira, feno, palha, a obra de cada um acabará sendo conhecida: o Dia a manifestará, pois ele se revela pelo fogo, e o fogo mostrará a qualidade da obra de cada um” (1 Cor 3,11-13). 

A Igreja passou por vicissitudes incríveis no correr de sua história, com um amálgama de virtudes e fraquezas daqueles que ocuparam a Sede de Pedro. No entanto, Deus não permitiu que nenhum deles ensinasse o erro! De fato, as portas do inferno não prevalecem contra a Igreja de Cristo, que mantém segura a profissão de fé recebida do Senhor através dos Apóstolos! 

E na data em que celebramos o Dia do Papa, hoje chamado Francisco, devemos dar graças a Deus pelo tempo que vivemos. Mesmo sem ver a lista completa, basta verificar a sucessão de Papas santos e corajosos que a Igreja teve desde o século dezenove, malgrado todas as crises, guerras, ameaças e fragilidades de nós cristãos católicos. O Beato Pio IX, Leão XIII, São Pio X, Bento XV, Pio XI, Pio XII, São João XXIII, São Paulo VI, Beato João Paulo I, São João Paulo II, Bento XVI, para chegar aquele que disse ter vindo do fim do mundo e que faz o mundo ficar pequeno, o Papa Francisco. 

Queremos edificar juntos a Igreja, cada qual com sua contribuição, sem nos estancarmos diante das fraquezas das pessoas, começando das nossas. Cabe-nos olhar toda a história da Igreja e de tantos que nela se envolveram, enxergando tudo dentro do quadro de cada época e cada cultura. Ao mesmo tempo, como ensinaram e praticaram os sucessores de Pedro desde as palavras cheias de sabedoria de São João Paulo II, pedir perdão a Deus e à humanidade pelos erros cometidos pelos cristãos católicos, redimindo-nos deles com atitudes diferentes. A Igreja subsiste pela graça de seu esposo imaculado, que por ela se entregou, lavando nas águas do Batismo as culpas de todos os seus membros. 

Enfim, para que isso aconteça, outras pedras bem humanas podem se comprometer na edificação desse edifício espiritual. No filme “Irmão sol, irmã lua”, São Francisco e seus primeiros companheiros, ao reconstruir a igrejinha de São Damião, cantavam assim: “Se você quiser servir a Deus, faça poucas coisas, mas as faça bem. Pedra por pedra, com esperança de ver Jesus. Dia após dia, com alegria, sempre buscando além”. Justamente de Francisco o atual sucessor de Pedro, a Pedra de hoje, escolheu o nome! Olhar para frente e para o alto, costumamos dizer em nossa Igreja, pedra por pedra, com serenidade e alegria! É nosso modo de celebrar São Pedro neste ano! 

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