Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Há, no princípio das nossas inquietações, um desejo bom de preservar a luz que nunca se perde de si. Uma luz que que ilumina por dentro e devolve em cores mais belas tudo que recebe. Entre o temor de perdê-la e a sede de possuí-la, o coração humano ergueu muralhas, selou portas, levantou torres. E, como quem aperta demais o que ama, quebrou aquilo que pretendia guardar. Daí nasceram suspeitas, palavras afiadas e dissimulação que nos afastou de nós.
O Advento começa aqui, quando a mão cansada desiste de trabalhar em muros, e a alma aprende o difícil ofício de esperar e fazer reparos. Uma espera produtiva que acende pequenas chamas no meio de ventanias.
Jesus Cristo vem como Luz que não se fabrica, não se compra, não se oculta. Cujo brilho não é de pedras raras, mas dEle mesmo. Tocados por Ele, a esperança, que parecia definhar sob os golpes da noite, respira sem pressa e o tempo não é mais inimigo.
Com a luz que se ergue acima dos morros, “Ele nos ensinará seus caminhos, e nós trilharemos suas veredas”. A subida começa com uma notícia. O Cristo que vem é juiz manso que mede sem humilhar, pesa sem esmagar e põe cada coisa no seu devido lugar. Um lugar que cura.
Do alto dessa bondade forja-se um milagre de ferreiro e espadas viram arados, lanças viram lâminas de poda. O metal conserva a dureza, mas muda de destino. Tudo que feriu a terra aprende a cultivá-la.
Dentro de nós, os talentos domesticados pelo medo reaprendem o serviço; a inteligência deixa de ser lâmina e torna-se lâmpada; a língua, que tanto cortou, transforma-se em instrumento de poda para que a vida frutifique.
O Advento é uma oficina silenciosa onde, a cada semana, um gesto trocado, um instrumento convertido, um campo árido volta a receber vida e molda a coragem que espera o amanhecer.
Quando a noite volta a se espalhar, porque ela sempre volta, já estamos assegurados pela Luz que não depende de nós. Ela vem como quem nos conhece pelo nome, sem barulho, como uma presença que aceita o caniço rachado da nossa história.
O profeta havia dito: “Caminharemos na luz do Senhor”, e é nessa luz que caminhamos! Não caminhamos sozinhos, pois a humanidade que se esfacelava volta a entender a língua de encontro. A esperança deixou de murmurar e tornou-se realidade na manjedoura do mundo, porque o mundo todo é uma manjedoura.
Ainda há sombras altas como as montanhas, há mentiras que se repetem até a exaustão, há poderes que se vestem de claridade para melhor cegar. Mas aprendemos com a vela do primeiro domingo que a noite não é soberana. A chama pequena não vence pelo seu tamanho; vence porque insiste. Ela retorna a cada sopro, reaparece a cada curva, e, quando as outras se juntarem a ela a sala inteira ficará iluminada. O Advento nos disciplina nessa teimosia.
Quando o quarto domingo chegar e a coroa conter a inteireza de luz, saberemos que a esperança não morreu, porque foi Deus quem a sustentou enquanto aprendíamos a acreditar.
E, na noite grande do mundo, não teremos armaduras, nem fórmulas de posse, nem pactos de ferro. Teremos olhos habituados ao clarão manso, ouvidos treinados na vereda, passos afinados ao ritmo de quem caminha na montanha. Então, mesmo que o mundo insista em entoar a velha canção do medo, nós caminharemos na luz do Senhor porque já teremos sido alcançados por Ele.
