Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
As universidades, tal como as conhecemos hoje, nasceram no coração da Igreja Católica. Nos séculos XII e XIII, centros de saber como Bolonha, Paris e Oxford floresceram a partir das escolas catedrais e monásticas, onde o estudo era inseparável da vida espiritual. Ali, mestres e estudantes uniam o rigor intelectual à busca de sentido último, cultivando um saber que não se limitava à utilidade prática, mas se orientava para a verdade. Foi nesse ambiente, moldado pela fé e pela razão, que surgiram as bases do método acadêmico, do diálogo entre disciplinas e da liberdade de investigação, características essenciais da tradição universitária ocidental.
Raízes e espírito originário
A Constituição Apostólica Veritatis Gaudium, do Papa Francisco, convida as instituições de Ensino Superior — especialmente as católicas e eclesiásticas — a recuperar e renovar esse espírito originário. A universidade não deve restringir-se à transmissão de conhecimento técnico ou científico, mas deve ser um espaço de busca compartilhada pela verdade, onde o rigor da pesquisa se une à abertura ao mistério da vida.
Excelência, nesse sentido, não significa apenas alcançar altos índices acadêmicos ou rankings internacionais, mas formar mentes críticas, éticas e criativas, capazes de responder aos desafios complexos do nosso tempo. A Veritatis Gaudium lembra que isso exige diálogo interdisciplinar, liberdade de pesquisa e compromisso ético. O saber precisa ser integral, conectando ciência, filosofia, teologia, artes e cultura, sempre em vista da dignidade humana e da justiça social.
Excelência e espiritualidade em diálogo
Contudo, a excelência isolada corre o risco de se tornar estéril se não estiver enraizada na espiritualidade. Na vida universitária, espiritualidade não significa apenas devoção pessoal, mas uma atitude permanente de escuta, humildade intelectual e abertura ao outro. É a “alegria da verdade” — veritatis gaudium — que brota quando o conhecimento encontra o amor e o serviço.
Uma universidade que integra espiritualidade em sua rotina acadêmica cria um ambiente no qual o saber não é usado para dominar, mas para libertar; não serve para inflar vaidades, mas para promover comunhão. A dimensão espiritual mantém viva a pergunta pelo “para quê” do conhecimento e impede que a técnica e a ciência se tornem fins em si mesmas.
Universidade como laboratório cultural
A Veritatis Gaudium também propõe que a universidade seja um “laboratório cultural” para novas formas de diálogo entre fé e razão, tradição e inovação, local e global. Esse diálogo só é possível onde há excelência acadêmica e abertura espiritual, reconhecendo que toda verdade é participação na Verdade que é Deus.
Num mundo fragmentado, com crise de sentido e rápidos avanços tecnológicos, a combinação de excelência e espiritualidade é urgente. A primeira garante a solidez e a relevância do conhecimento; a segunda garante que esse conhecimento seja orientado para um futuro mais justo, fraterno e sustentável.
Assim, a universidade que une essas duas dimensões continua fiel às suas raízes históricas e se torna um espaço de formação integral, onde se aprende não apenas a pensar, mas também a viver; não apenas a inovar, mas também a servir; não apenas a buscar a verdade com inteligência, mas também com o coração.
