Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)
Os encontros com Jesus narrados nos Evangelhos são sempre decisivos, geradores de um caminho de conversão e de vida. E a conversão leva à experiência inesquecível do perdão, doação continuada de vida plena, própria de Deus e proposta como estrada a ser percorrida pela humanidade. Reconhecemos que é plano de Deus, quando os discípulos de Jesus foram enviados aos confins da terra, que qualquer tempo, lugar ou situação humana podem e devem ser destinatários da novidade do Evangelho. Isso acontece mesmo e especialmente nos tempos conflitivos em que vivemos. Com o Papa Francisco, continuamos em prece fervorosa para que a paz, fruto de genuína reconciliação, venha a resplandecer entre as pessoas, povos, nações e blocos políticos existentes no mundo.
Mas tudo começa no coração das pessoas. O Evangelho de São João, proclamado pela Igreja no Quinto Domingo da Quaresma (Jo 8,1-11), descreve um encontro maravilhoso, onde os extremos se tocam de forma surpreendente, com a narrativa do episódio da mulher adúltera, seus acusadores, os discípulos, testemunhas abalizadas dos fatos, a multidão e o Senhor misericordioso.
A compaixão, a misericórdia e o perdão prometidos são a resposta de Deus à miséria e ao pecado humano. Parece incrível, mas o início é justamente a fragilidade, para depois ouvir do Senhor: “Não deveis ficar lembrando as coisas de outrora, nem é preciso ter saudades das coisas do passado. Eis que estou fazendo coisas novas, estão surgindo agora e vós não percebeis?” (Is 43,18-19). A mulher tinha sido surpreendida mesmo em adultério, era uma pecadora, e a lei vigente permitia que fosse apedrejada, mas depois do homem (Lv 20,10). E o adúltero nem aparece na história, pois se tratava de uma armadilha para Jesus e uma condenação arbitrária de uma pecadora.
Para receber o perdão de Deus, é necessário primeiro tomar consciência da própria fraqueza e reconhecer os pecados. Em nossa história de misericórdia, certamente não vamos passar por acusações públicas, ainda que estas aconteçam também em nossos dias, muitas vezes caluniosas e destruidoras da dignidade das pessoas. Podemos imaginar a mulher pecadora exposta ao ridículo, com gente armada, de pedras em punho, todos prontos a descarregar numa pessoa os traumas e, quem sabe, os pecados semelhantes ou maiores.
Quando nos confessamos, a luz chega ao coração quando esclarecidos por sincero exame de consciência, tomamos a decisão de expor ao Senhor nossa pequenez e nossa vontade de recomeçar. É bom lembrar que a melhor fonte para este exercício chamado exame de consciência é a Palavra de Deus. Pode ser o texto dos mandamentos, ou o Sermão da Montanha (Mt 5 – 7), as Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), o Sermão sobre o juízo final (Mt 25,31-46). Já experimentamos examinar a consciência com o capítulo treze da Primeira Carta aos Coríntios, sobre a caridade? Ou os capítulos quatro a seis da carta aos Efésios? Podemos acolher estas propostas!
Voltando à mulher adúltera, e devemos chamá-la de irmã e modelo na estrada da conversão, penitente sincera, encontra-se agora diante de Jesus. E ele escreve na areia! O Senhor propõe que os acusadores que não tivessem pecado começassem o apedrejamento. E todos se retiraram, a partir dos mais velhos. Parece que os conselhos, naquela confissão pública, tenham sido apenas seu dedo escrevendo, quiçá os pecados dos circunstantes ou, melhor ainda, as palavras de fortalecimento a serem dadas de presente àquela mulher. Trocaram olhares, e da parte da mulher havia ali a contrição pelos seus muitos pecados. Nela aprendemos a buscar este maravilhoso Sacramento, a Penitência. O Ritual da Penitência, além de outras propostas, oferece um Ato de contrição que expressa tudo o que é necessário quando buscamos sinceramente o perdão e o banho da misericórdia: “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de mim, que sou pecador!”
E vem a sentença solene de absolvição! “Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio, em pé. Ele levantou-se e disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?’ Ela respondeu: ‘Ninguém, Senhor!’ Jesus, então, lhe disse: ‘Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais’” (Cf. Jo 8,9-11). No segredo de nossas confissões sacramentais, quantas coisas já ficaram para trás, no lavacro do perdão de Deus, para olhar adiante e para o alto!
Jesus propõe uma vida nova àquela mulher, com a qual nos identificamos para buscar com confiança o perdão de Deus. Um dos frutos, quando nos aproximamos e recebemos o perdão de Deus, são os gestos de oração, caridade e mudança concreta, reintegrando-nos na comunidade cristã. Ouvimos o confessor propor um gesto penitencial, que acompanhe o propósito de vida nova, pois ouvimos, como a mulher do Evangelho: “Vai, e de agora em diante não peques mais”.
Entretanto, falta-nos esclarecer que muitas vezes ouvimos este “Não Peques mais”! E voltamos ao Sacramento, muitas e muitas vezes. Será falta de vergonha? Não, é que Deus nos oferece o tempo propício para o arrependimento, dando-nos sempre maiores oportunidades de crescimento e amadurecimento. Deus nos conhece e sabe que ainda somos pecadores, oferecendo-nos mais oportunidades! É bom que a esta altura da Quaresma verifiquemos, com olhar do otimismo da fé, mais os passos que foram dados do que as eventuais quedas. E é até bom aproveitar para olhar para os irmãos e irmãs e fazer brotar de nossos lábios alguma palavra de elogio pelos passos dados. E com eles ficaremos mais felizes ainda! Podemos aprender a conversar e testemunhar, na edificação recíproca, sobre o crescimento de nossa vida cristã, mais do que os defeitos ou pecados! E ao final, em nossa Páscoa pessoal da morte, ficaremos ainda surpresos, por termos sido salvos por misericórdia!