Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre
A cada ano, a Igreja do Brasil propõe uma campanha nacional denominada “Campanha da Fraternidade”. Essa campanha tornou-se um modo privilegiado de vivência da Quaresma. Ela recorda que não se pode separar a conversão pessoal do serviço aos irmãos e irmãs, à sociedade e ao planeta. Ela representa um convite vigoroso a alargar o olhar e a perceber que o pecado ameaça a vida como um todo.
Diante do clamor de muitos que sofrem de inúmeras formas, e da criação que se vê espoliada, urge desenvolver e cultivar um olhar mais atento e detalhado para a vida. Esse clamor se depara com a insuficiência de ações efetivas, de políticas públicas para a superação dos problemas. Por isso, sente-se a necessidade de indagar: o que aconteceu conosco? O que vem ocorrendo com a humanidade que diante de tantas formas de sofrimento, parece não mais se sensibilizar com ele? Porque tantas formas de violência, agressividade e destruição? Estamos perdendo o valor da fraternidade?
Para este ano de 2020 o tema proposto para a Campanha da Fraternidade é: Fraternidade e Vida – Dom e Compromisso. O lema escolhido foi tirado do Evangelho de Lucas: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (10, 33-34).
O tema expressa a necessidade de se refletir sobre o significado mais profundo da vida e encontrar meios para que esse caminho seja fortalecido e, talvez, reencontrado. Além disso, interpela a respeito do sentido que se está, na prática, dando à vida nas suas diversas dimensões: pessoal, comunitária, social e ecológica. Ou ainda, provoca à reflexão sobre o sentido de vida que estamos propondo, ensinando e testemunhando às novas gerações.
Diante do fenômeno da “globalização da indiferença” (expressão usada pelo Papa Francisco) que não permite perceber a desumana dor e sofrimento de quem está ao lado, podemos também, nós, nos tornar desumanos. Por isso, o período quaresmal representa uma oportunidade privilegiada para avaliar a própria existência e o modo como compreendemos e vivemos a vida. Fato é que não se pode viver a vida passando ao largo das dores e sofrimentos de tantas pessoas. Isso seria inumano!
Assustados com o fenômeno da indiferença, torna-se urgente testemunhar e estimular a solidariedade. Em Jesus Cristo, somos vocacionados ao intercâmbio do cuidar: cuidar uns dos outros e cuidar da Casa Comum, porque Deus sempre cuida de todos.