Vida, tempo e eternidade

A vida humana conhece a face do tempo, porém tem a eternidade como seu destino final. Essa realidade tem muitas implicações. Em primeiro lugar, nos damos conta de ser a vida o dom maior, com uma vocação de eternidade, com o qual Deus nos presenteou, dado que a existência de outras criaturas não passa de sua expressão terrestre. Qualquer ser que vive neste mundo traz consigo uma limitação – a morte; porém, apenas os seres racionais sabem que a morte chegará; isso acontece, de forma dolorosa, precisamente, em razão de sua racionalidade; somente eles têm o alcance da dimensão de sua existência que vai além das vicissitudes da condição terrestre e temporal. Por isso, se de um lado a pessoa humana vive, em grau maior, o conflito decorrente da certeza da morte, por outro lado, em razão de uma formação religiosa que tenha recebido, enxerga, com firmeza e esperança, o amanhã que, inexoravelmente, vai chegar, muito embora ainda persista uma outra face da limitação, o fato de não saber quando, nem onde isso vai chegar.

A proximidade da celebração da memória dos santos – na celebração da Festa de Todos os Santos, no dia 1º de novembro – e a memória dos mortos – na comemoração dos Fiéis Defuntos, no dia 2, não é um dado casual; a liturgia celebra essas duas comemorações, em datas próximas, pra significar essa condição transitória da vida humana e a sua vocação de eternidade; mais ainda, quer lembrar que a santidade de vida se constrói em sua condição terrestre, não obstante as fortes tentações “do poder”, “do prazer” e “da glória humana” a que todos estão sujeitos. Na verdade, a pessoa não adquire a santidade após a morte; sua santidade atinge, sim, um grau de maior perfeição, na eternidade, pelo fato de estar com Deus, de ver Deus, “face a face”.

A liturgia “de Todos os Santos nos leva a dar graças a Deus pela vitória de sua graça em todos os eleitos; somos impelidos a alegrar-nos com sua felicidade e somos encorajados a viver no espírito das bem-aventuranças. Também nós somos chamados a participar da multidão dos santos, por ora ainda peregrinos e, um dia, na glória eterna.” Por sua natureza, a “Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos traz à memória da Comunidade cristã vários mistérios: o mistério da morte, a comunhão solidária com os que nos precederam na fé, a lembrança dos que caminharam conosco na peregrinação terrena, seja na Comunidade familiar, seja na Comunidade eclesial.”

Há, por conseguinte, um traço de união entre a vida temporal e a eterna, no tocante, particularmente, à santidade de vida e as duas comemorações querem explicitar isso: “Se a Festa de Todos os Santos celebra os que foram glorificados e participam da glória no Cristo ressuscitado, sejam eles canonizados como santos ou não, a comemoração de Todos os Fiéis Defuntos coloca a Igreja em comunhão com os que nos precederam na fé, em relação aos quais está viva a memória da Comunidade.” Por sua significação espiritual, a Comemoração de Todos os Santos está marcada pelo sentimento de alegria e ação de graças, em face da “multidão dos bem-aventurados”, enquanto o “Dia de Finados é o dia da saudade e o dia da esperança.”

Vida, tempo e eternidade fazem parte do estado do ser humano, independentemente de sua condição de crente ou não. Todavia, aquele que crê, sem dúvida, se coloca perante essa realidade, com um horizonte diferente e, por isso, age de forma conseqüente, de modo que suas opções norteiam sua caminhada na direção da justiça, fraternidade e solidariedade humanas que são bases sobre as quais é construída a santidade de vida.

Dom Genival Saraiva de França

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