Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Poucas celebrações litúrgicas são tão ricas de conteúdo e de simbolismo como a Vigília Pascal. O coração de todo o ano litúrgico, do qual se irradiam todas as outras celebrações, é esta Vigília, que culmina com a oferta do sacrifício pascal de Cristo. Nesta noite santa, a Igreja celebra, de modo sacramental mais pleno, a obra da redenção e da perfeita glorificação de Deus, como memória, presença e expectativa.
O Missal Romano lembra que “por uma antiguíssima tradição, esta é ‘a note de vigília em honra do Senhor’ (Ex 12,42). Os fiéis, trazendo na mão, segundo a admoestação do Evangelho (Lc 12, 35ss), a lâmpada acesa, assemelham-se àqueles que esperam o Senhor no seu retorno, de maneira que, quando ele chegar, encontre-os ainda vigilantes e faça-os sentar à sua mesa.
A estrutura teológica da Vigília Pascal é a seguinte: memória-presença-expectativa não muda, mas se enriquece com a “realidade” que é Cristo, o Crucificado-Ressuscitado: “ele é a Páscoa da nossa salvação”. A Vigília Pascal celebra toda a economia salvífica, numa visão unitária e contínua desde a criação até a parusia. A celebração da Vigília mostra a expressão concreta mais emblemática da fé da Igreja na unidade dos dois Testamentos e na relação intrínseca entre palavra que anuncia e sacramento que atua a obra da salvação.
A memória-presença do mistério de Cristo, que vence a morte com a própria ressurreição, torna-se, conforme a exortação evangélica, expectativa: “estejam com os rins cingidos e lâmpadas acesas. Sejam como homens que estão esperando o seu Senhor voltar da festa de casamento: tão logo ele chega e bate, eles imediatamente vão abrir a porta” (Lc 12,35-36). Este retorno esposo está previsto para acontecer no coração da meia-noite: “à meia-noite” (Mt 25,6).
Num admirável sermão para a noite de Páscoa, Santo Agostinho resumiu toda a antiga tradição bíblica e patrística sobre a Vigília memória-expectativa: “irmãos caríssimos, velando nesta noite em recordação da sepultura do Senhor, nós velamos no tempo em que ele, por assim dizer, adormeceu. De fato, anunciando muito antes, por meio do profeta, a sua paixão, ele disse: ‘Eu adormeci e despertei, porque o Senhor me acolheu’. Ele chama o seu Pai de Senhor. Portanto, na noite em que ele adormeceu, nós velamos a fim de que, pela morte que sofreu, nós vivamos. No tempo do seu momentâneo adormecer, nós celebramos uma vigília, a fim de que, velando ele por nós, possamos, na ressurreição, preservar incansavelmente numa vigília eterna. Contudo, nesta noite, ele também ressuscitou, e é na expectativa desta ressurreição que nós velamos” (Santo Agostinho, Tract. In Joaan. 55, 1 PL35,1784).
A Vigília pascal, na qual os hebreus esperaram à noite a passagem do Senhor para que os libertasse da escravidão do faraó, foi por eles observada como memorial a ser celebrado todo ano; era a figura da futura e verdadeira Páscoa de Cristo, isto é, a noite da verdadeira libertação, em que “Cristo, quebrando os vínculos da morte, ressuscita vencedor do sepulcro.
A celebração da Vigília Pascal é composta por quatro partes: 1 – a primeira parte compreende atos simbólicos e gestos que devem ser realizados com tal amplidão e nobreza que os fiéis possam captar o significado sugerido pelas orações litúrgicas. Em verdade do sinal, prepare-se o círio pascal feito de cera, todo ano novo, único, de tamanho notável, nunca fictício, para poder evocar que Cristo é a luz do mundo. Seja bento com os sinais e as palavras indicadas no Missal ou outros aprovados pelas conferências episcopais. 2 – As leituras da Sagrada Escritura formam a segunda parte da Vigília. Elas descrevem os acontecimentos culminantes da história da salvação, que os fiéis devem poder meditar serenamente em seu ânimo, através do canto do salmo responsarial, do silêncio e da oração do celebrante. 3 – A terceira parte é constituída pela liturgia batismal. Agora, a Páscoa de Cristo e nossa é celebrada no sacramento. Isso pode ser expresso de maneira completa naquelas igrejas que têm fonte batismal. No caso de faltar batizandos, pelo menos faça-se a bênção da água batismal. 4 – A quarta parte da Vigília é o seu ápice, sendo de maneira plena o sacramento da Páscoa, isto é, memorial do sacrifício da cruz e da presença de Cristo ressuscitado, plenitude da iniciação cristã, pregustação da Páscoa eterna.
Portanto, o sentido mais verdadeiro da Vigília é este: nós já estamos vivendo a Páscoa que celebramos no rito: celebramo-la para que se realize sempre mais profundamente em nós, na expectativa da Páscoa eterna. “Cristo é a nossa Páscoa” (1Cor 5,7), “a noite vai avançada, e o dia está próximo. Deixemos, portanto, as obras das trevas e vistamos as armas da luz. Vistam-se do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,12-14).