“Fraternidade e segurança pública”, este é o tema da Campanha da Fraternidade que a Igreja Católica promove no Brasil durante a Quaresma deste ano. A questão de fundo, de
fato, é o problema da violência e não é preciso justificar muito a escolha deste tema: basta acompanhar um pouco os noticiários, onde os relatos sobre ações e situações de violência estão na ordem do dia: violência contra a pessoa, sua integridade física e moral, sua dignidade e seus direitos fundamentais, seu legítimo patrimônio e mesmo contra sua vida…
A isso acrescentam-se as injustiças sociais não superadas, que pesam como violência diária especialmente sobre as camadas sociais e as pessoas mais indefesas. A violência tornou-se corriqueira e só chama a atenção quando vem acompanhada de algum detalhe especialmente repugnante. Ela vai sendo assimilada como se fosse componente inevitável da vida e da cultura. As pessoas defendem-se como podem, levantando muros, colocando alarmes, contratando seguranças, comprando armas… E se preparam para mais violência.
É preocupante quando a violência entra na normalidade da vida, deixando as consciências complacentes e insensíveis diante dela. A Campanha da Fraternidade quer ser um grito de alerta para este fenômeno e deseja suscitar uma reação positiva, antes que a violência se torne incontrolável. Mais que a denúncia de fatos, é um convite à reflexão sobre as causas da violência e à busca de vias de solução para o problema.
A segurança pública é um direito do cidadão e sua garantia é um dever do Estado. O seu alastramento, como verdadeira chaga social, e a crescente busca da segurança privada denotam lacunas na ação do Estado; as pessoas sentem-se desprotegidas e não confiam nas instituições de segurança pública, talvez por lhes atribuírem ineficiência ou, perplexa, diante de fatos de corrupção e ação fora da lei, de pessoas responsáveis pela ordem e pela segurança pública. Talvez haja falhas no método de combate à violência. Vamos continuar a combater a violência com mais violência? Até quando continuaremos a construir cadeias? Os processos vão continuar amontoando-se, sem definição, nas salas dos tribunais, passando a quase certeza da impunidade, ou até fazendo cumprir pena a quem não merece?
A violência tem causas sociais, que precisam ser enfrentadas coletivamente, com políticas públicas e também com esforço solidário da cidadania. O Estado e suas Instituições têm a missão de promover e assegurar, entre outras coisas, a justiça social, o desbaratamento do crime organizado e a eficiência no sistema judiciário; além disso, espera-se dos órgãos que representam o Estado a promoção da cultura da dignidade da pessoa, dos direitos humanos e o amparo às instituições e organizações da base social, que são capazes de assistir às pessoas na sua situação concreta e de promover os verdadeiros valores na convivência social; refiro-me à família, à escola e a tantas outras organizações da sociedade civil.
De fato, muita violência decorre da desestruturação e destruição da família, inclusive por leis e políticas contrárias a ela; os efeitos são desastrosos para a sociedade pois, aquilo que a família, minimamente amparada, poderia fazer pelas pessoas acaba faltando e os problemas sobram para a sociedade e para o próprio Estado. O desmantelamento da família, mediante políticas que atendem a grupos de pressão bem articulados, mais que ao interesse social e coletivo, é uma grande irresponsabilidade e trará consequências graves para a sociedade e o Estado. A família é um bem para a pessoa e para a sociedade e atende às necessidades, sobretudo, dos grupos sociais mais vulneráveis e desprotegidos, como as crianças, os idosos e os doentes; por isso, ela precisa ser defendida e amparada por políticas públicas que lhe possibilitem o exercício de suas atribuições naturais e sociais.
A violência decorre também de uma cultura desprovida de valores éticos. A negação das implicações morais e da responsabilidade social nos comportamentos individuais, bem como a banalização do sexo e do casamento podem ser causa de violência. Quem incentiva e explora a prostituição, a promiscuidade e incita à iniciação sexual precoce de crianças e adolescentes deveria se perguntar, se não está incentivando a violência sexual contra mulheres e crianças, ou até comportamentos sexuais aberrantes, como os que são, tristemente, objeto de notícia na imprensa. Alguém já fez uma séria análise das consequências da farta distribuição de preservativos, não só no sambódromo por autoridades, mas até em escolas, para crianças e adolescentes?
A paz é fruto da justiça (cf Is 32,17). Sem a prática da justiça não há paz nas relações entre as pessoas e também nas relações entre os povos. A injustiça é sempre uma violência contra os direitos da pessoa ou dos povos; por isso, a sua superação é condição para que haja verdadeira paz. Mas o mero cumprimento da justiça ainda não é suficiente para cultivar a paz: esta também requer o arrependimento das culpas, o perdão dado e recebido e a reparação das ofensas.
A superação da violência e a promoção da verdadeira cultura da paz, bem como o respeito às leis, também são deveres da cidadania. Porém, a lei, por si só, não resolve o problema: há tanta lei boa que não é observada. A raiz do problema é a perda do valor da pessoa e da sua dignidade, junto com e a busca utilitarista da vantagem, acima de tudo. A superação da violência não depende apenas de condições externas, mas também de comportamentos e atitudes pessoais e morais, que devem ser orientados segundo a verdade e o bem, de acordo com os mandamentos da lei de Deus.
Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, dia 14.03.2009