Violência e perdão. As lições da Páscoa

A Páscoa cristã lembra o sofrimento, a morte de Jesus Cristo na cruz e sua ressurreição dentre os mortos. Para os católicos, é a festa religiosa mais importante do ano. Celebrada

com grande júbilo durante quarenta dias, esta solenidade proclama a vitória da vida sobre a morte e do perdão sobre a violência.

Jesus foi vítima da uma violência inaudita. De fato, esta o acompanhou durante toda a sua vida. Seu nascimento, em Belém, foi num lugar inusitado, num abrigo para animais, pois a hospedaria da cidade não abriu as portas para seus pais, José e Maria, que estava para dar à luz (cf Lc 2,7): ninguém queria se complicar com esse casal de forasteiros. E lá não havia  um Amparo Maternal para acolher mulheres pobres em situação de maternidade… Logo em seguida, o rei Herodes, dito o Grande, alarmado por notícias sobre o nascimento de um menino que diziam ser o “rei dos judeus”, tramou contra a vida do pequeno. Seus pais tomam a estrada e fogem para o Egito, onde o menino viverá na condição de exilado (cf Mt 2, 13-15). Depois da morte de Herodes, o temor da perseguição e a ameaça contra a vida do menino Jesus não passaram e a Sagrada Família foi viver como foragida em Nazaré (Mt 2,19-23). Ainda não existiam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nem o ACNUR, nem Estatuto do Menor…

Logo no início da pregação do Evangelho, Jesus teve que enfrentar a fúria dos seus concidadãos de Nazaré, que o expulsaram da cidade e queriam jogá-lo num precipício (Lc 4,23-30), só porque não fez o milagre que queriam ver. E os três anos de sua vida pública, foram marcados por diversos episódios de perseguição e ameaças contra sua vida. A cura de um pobre homem com uma deficiência física levou um grupo religioso a tomar a decisão de matá-lo, pois os milagres evidentes que fazia atraíam a atenção do povo sobre ele. Muitas vezes teve que enfrentar as tramas e ciladas dos seus perseguidores, que queriam prendê-lo (cf Mt 26,1-5).

Finalmente, arrastado ao tribunal sem acusação formal por nenhum crime, foi julgado, condenado e executado pela autoridade romana em menos de um dia, contrariamente ao que dispunha o próprio direito romano. Os relatos da paixão e morte de Jesus, nos quatro Evangelhos, retratam acusações caluniosas, o desprezo do rei Herodes (cf Lc 23,8-12), torturas impiedosas, como a flagelação, a coroação de espinhos (cf Jo 19,1-3) e tantos sofrimentos atrozes. Foi um suceder-se de pesadas violências contra quem só tinha feito o bem. Não havia defensores dos direitos humanos por ali, nem Comissão de Justiça e Paz, nem mesmo alguma ONG, ou movimento contra a tortura… Mas o próprio centurião romano, aquele que estava lá, junto da cruz, comandando o pelotão de execução, foi quem reconheceu: “de fato, este homem era um justo!” (Lc 23,47). A violência contra Jesus foi um crime que nunca prescreveu e continua a ser perpetrado nas muitas formas de violência contra seres humanos, muitas vezes, inocentes e indefesos, que trazem no rosto as feições de Jesus.

Mesmo assim, Jesus nunca recorreu à violência para se defender ou para propagar sua mensagem. E nem mesmo deixou seus amigos pegarem em armas para o defender, quando os soldados foram prendê-lo, entregue pelo beijo de Judas (cf Jo 18, 1-11). Sua resistência foi a autoridade moral, que fez os soldados caírem por terra; sua defesa, a confiança na justiça de Deus. Pregado na cruz, insultado e humilhado ao extremo, esmagado pela violência física e moral, ainda teve forças para pedir o perdão a Deus para seus algozes: “Pai, perdoai-lhes! Não sabem o que fazem!” (Lc 23,34).

Quem foi vítima de tanta violência, talvez, teria o direito de reagir com violência? Não lhe seria reservada a chance de uma boa vingança? Esta poderia ser a lógica humana. Mas não foi assim que Jesus fez. Após a ressurreição dentre os mortos, foi procurar os discípulos; todos, menos um, o haviam abandonado durante o drama da sua paixão e morte. Agora estavam assustados e com medo. Mas não ouviram de Jesus nenhuma palavra de repreensão, ou ameaça de vingança. Pelo contrário, ele os saudava com a paz e tranquilizava seus corações. E também não falou em apresentar recurso nos tribunais de instância superior contra os responsáveis por sua injusta condenação. Sua decisão foi o perdão sem reservas: a misericórdia triunfa sobre a injustiça. E até manda os apóstolos perdoarem a todos, em seu nome” (cf Jo 20, 19-23). Condição única é o arrependimento sincero dos pecados (cf Lc 24, 46-47).

O perdão de Deus, porém, não tira a responsabilidade da justiça dos homens. Que bom, que a civilização veio tomando consciência da dignidade da pessoa e desenvolveu a sensibilidade pelos direitos humanos. Que bom que existem Ongs e comissões de defesa da justiça, especialmente para dar voz àqueles que não a têm, nem podem gritar para se defender. Assumir o lado dos mais fracos e indefesos é fineza da civilização. Ótimo, que a sociedade exija o bom funcionamento dos Órgãos de Justiça do Estado e rejeite toda forma de corrupção na aplicação da justiça. E os violentos precisam dar contas à justiça, para se corrigirem. E continua verdadeiro que a paz é o fruto da justiça.

Mas tudo isso ainda não basta. Uma justiça vindicativa alimentaria a sede de vingança; violência não se corrige com mais violência. A instauração da justiça e da verdadeira paz requerem algo mais: a conversão dos corações e a mudança dos hábitos violentos. Só o amor e o perdão vencem o ódio e corrigem as feridas da alma. A Páscoa de Jesus é um convite a abraçar esta lógica. Desejo feliz e abençoada Páscoa a todos os leitores!

Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, dia 11.04.2009

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