Viver além do próprio “eu” 

Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba (MG)

 

Não é realidade fácil a pessoa sair de si mesma, do seu egoísmo e do estado de autorreferenciamento. Assim, as palavras, humildade, pequenez e simplicidade são todos desafios para a atual cultura. O que vemos mesmo é a busca pertinaz de grandeza, poder, boa aparência e individualismo exacerbado. O ter, quando enraizado na sensibilidade do coração, obscurece a identidade do “eu”, do ser. 

Na Palavra de Deus está um exemplo esclarecedor desse fato, quando olhamos para as pessoas concretas de um fariseu e de um publicano (cf. Lc 18,10). Os dois entram num templo e têm atitudes diversas. O fariseu, cheio de orgulho próprio, de vaidade, centrado em seu próprio “eu”, não se abre aos propósitos da Palavra. O publicano demonstra humildade e consciência de sua pequenez. 

Há o perigo da pessoa viver escondida por traz de máscaras, que escondem a realidade da vida e a torna falsa na sociedade. O Papa Francisco chamava isso de “clericalismo”, de tradicionalismo, de onde surgem os grandes escândalos, provocando sofrimento para a vida da Igreja. Podemos dizer que a falsidade tem “pernas curtas”, porque a verdade sempre vence nos momentos certos. 

Os personagens bíblicos tiveram grande sensibilidade para com o sentido da vida. Paulo escreve a Timóteo falando da fé como parte essencial da existência humana e do seu estilo pessoal, de forma desprendida no seu currículo de vida. Viver além do próprio “eu” é a pessoa colocar-se nas mãos de Deus, tendo nele a plena certeza da recompensa e da coroa da justiça (cf. 2Tm 4,8). 

Todo ser humano tem virtudes, capacidades, forças, dons, mas também muitos limites, ambos relacionados com sua identidade, sua origem, seu caráter e seu “eu” constitutivo. Muitas vezes são frutos das influências sociais, tanto positivas como negativas. Sair de si supõe capacidade de discernimento, principalmente por saber que ninguém é o centro do mundo e das atenções na vida. 

O coração da pessoa, isto é, o espaço existencial onde o “eu” individual, ou a falta de humildade é muito evidente, ali não tem lugar para Deus. A isto chamamos de individualismo exacerbado, sem sensibilidade para com as realidades divinas e nem para com o outro e, às vezes, até em relação à natureza. É como dizer, “eu me basto e pronto”, não dependo de motivações, nem de fora e nem do alto. 

 

  

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