Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

 

Partindo das raízes bíblicas, a resposta à questão sobre “quem é o ser humano” não aparece no confronto com as demais criaturas, nem diante dos animais, nem mesmo diante do divino. O ser humano não é descrito nessas analogias. A definição de ser humano se realiza diante da vocação e da missão que ele recebe de Deus. Toda antropologia cristã não é definida a partir de respostas às perguntas que a humanidade faz acerca do ser humano, mas a partir da resposta humana ao chamado divino. Deus se revela ao vocacionar homens e mulheres para encontrá-lo. Em Jesus Cristo, o humano e o divino se encontram de forma singular e inédita. Cristo revela o rosto humano de Deus e o rosto divino do ser humano. 

 Ao garantir sua presença nos caminhos da vida, Deus não diz quem é o ser humano, nem o que deve (ou não) fazer. O Deus do Evangelho é Emanuel, é Deus-conosco no mundo, que trabalhou com mãos humanas na carpintaria de José e chorou a morte de seu amigo Lázaro. Esquecer a realidade concreta que se revela em Cristo é uma presunção que produz efeitos fatais: “Um mundo ‘sem Deus’ é, frequentemente, a consequência de um Deus sem mundo.”  

Afinal, Deus veio para salvar o mundo decaído. Nada justifica uma postura de negação ou afastamento da realidade para seguir Jesus Cristo. Uma vocação cristã é sempre uma resposta a Jesus Cristo que convida, ainda hoje, homens e mulheres a segui-lo no serviço à humanidade, para que todos tenham vida e vida em abundância. (Jo 10,10). O ser humano é vocacionado a viver gestos de fraternidade no cotidiano, em que o amor se faz concreto e é personalizado. Especialmente o cristão não pode sustentar a ideia de que devemos amar a todos sem amar ninguém, pois somente a cultura da proximidade é capaz de anunciar o Cristo numa sociedade ferida pelo individualismo e pela solidão.   

Na comunhão com Deus, o ser humano adquire novas forças para viver e se compreender. Na sua vocação histórica, descobre o seu destino. Nessa entrega, o ser humano se redescobre em possibilidades impensáveis antes do chamado. Na disponibilidade total à missão, que lhe confere nova identidade e autocompreensão, o ser humano não se preocupa mais com a autoimagem, tampouco quer definir exatamente qual é sua identidade, pois, na comunhão com Deus, encontra seu sentido de viver, sua meta de caminhar e sua filiação em Cristo.  

Para assumir esse compromisso – de viver como resposta de amor ao chamado à uma missão – é preciso considerar que “chamado e resposta e dom e tarefa formam uma unidade na ação de Deus, não se separam. Na escuta do chamado, pode se dar o milagre da resposta, da acolhida na fé. Por quê? Porque Jesus comunica a si mesmo no Espírito. A voz de Jesus não são ondas externas, ordens autoritárias que chegam a nosso ouvido, como foi o chamado que Pilatos fez a Jesus em João (18, 33b)”. Ainda: “A voz de Jesus é, sim, realidade viva e ativa que chega ao nosso coração. O Espírito doado suscita uma resposta de fé, renova o coração, capacita e chama o homem para o amor concreto. Este é o verdadeiro milagre para Jesus: a resposta de fé que se faz força de vida, mudança de lugar, luminosidade de esperança, opções novas, liberdade para amar, missão de justiça e paz para com os mais pobres e para com toda a Criação.” (CNBB, Texto-Base do Ano Vocacional).  

 

 

 

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