Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Os cristãos todos sabem sobre o dever e o compromisso moral intrínseco à sua fé: defender a vida em todas as suas etapas, da concepção ao declínio com a morte natural. Isto significa testemunhar a defesa incondicional da vida por meio de voz profética. As dinâmicas da sociedade civil merecem atenção para que sempre considerem a vida um dom. Os cristãos sabem que estão de passagem por este mundo, certos de sua cidade permanente no Reino de Deus. Mas a cidadania do Reino compromete, radicalmente, os cristãos a exercerem a sua cidadania civil conscientes de que precisam defender a vida, incondicionalmente. Afinal, a vida é dom de Deus. A partir desse entendimento, merece atenção, acompanhamento, posicionamento público e orante o julgamento no Supremo Tribunal Federal, que trata da descriminalização da interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre, isto é, o aborto até 12 semanas desde o momento da concepção – julgamento a ser pautado quanto a Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental 442.
O julgamento merece atenção, posicionamento público e orante de todos, no horizonte comum da defesa da vida, pela força de uma incansável voz profética. Cotidianamente e em todas as circunstâncias, deve-se enfrentar as ameaças a esse sagrado e inviolável dom de Deus. A defesa da vida, ao invés do aborto, constitui página preciosa do Evangelho da Vida, Carta Magna dos Cristãos. Assim, especialmente aqueles que creem em Jesus devem dialogar com outros segmentos da sociedade, de modo a contribuir para que todos se comprometam com o respeito e a defesa da vida, em todas as suas etapas. Enfrentar a ameaça do aborto é um desafio missionário, dedicando-se também à superação de injustiças e violação dos direitos humanos – cenários de exclusão social e de discriminações que igualmente ameaçam a vida. Não cabe nenhum tipo de relativização das normas morais e nem mesmo a possibilidade de se defender uma causa em prejuízo de outras.
Tudo o que atenta contra a inteireza da vida, como a descriminalização do aborto ou das drogas, requer urgente e comprometida oposição dos cristãos. A cidadania civil dos discípulos de Jesus, em diálogo e cooperação com os outros cidadãos, em um contexto marcado pelo pluralismo, pauta-se no Evangelho da Vida. A fidelidade ao Evangelho da Vida, centro da mensagem de Jesus, não permite “meias palavras”. Ao contrário, neste momento é inadiável fortalecer o coro de vozes proféticas capazes de conscientizar todas as pessoas a respeito dos riscos de descriminalizações que, normativamente, efetivarão ilegalidades. As discussões complexas ocorrem nas instâncias de poderes da sociedade civil, mas é preciso levar o tema às camadas populares, envolvendo especialmente as comunidades de fé e os segmentos dedicados à defesa da vida. A sociedade brasileira, por justificativas de sua laicidade, não pode ser emoldurada por parâmetros que permitam tratar a vida a partir de relativizações, desconsiderando princípios morais inegociáveis.
Já é grande o número de atentados contra a dignidade humana que precisam ser enfrentados. Não bastam, pois, alguns propósitos ou discursos sem efetivas incidências na priorização da defesa da vida, sempre em primeiro lugar. Os cristãos devem anunciar o Evangelho da Vida em todos os tempos e culturas. Um compromisso que se desdobra no exercício qualificado da cidadania, direcionado sempre pela inspiradora palavra de Jesus, segundo narração do Evangelho de São João, capítulo 10: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. Os cristãos não podem perder de seu horizonte o insubstituível sentido do valor incomparável de cada ser humano, precioso desde a concepção até o declínio com a morte natural. É inadmissível, em qualquer hipótese ou circunstância, relativizar a grandeza da vida – é dom sagrado, absoluto e intocável. A sensibilidade capaz de reconhecer a grandeza desse dom deve emoldurar o testemunho de fé, constituindo a sua qualidade.
A Igreja, missionariamente, reconhece o alcance do Evangelho da Vida, enxergando a lei natural inscrita nos corações: o intocável princípio do valor sagrado da vida humana, desde o seu início até o seu termo. Ora, é sobre o reconhecimento de tal direito que se funda a convivência humana e a própria comunidade política. Há de se trabalhar para que cresça a admiração pelo precioso e sagrado dom da vida. Urgente é adotar posicionamentos contrários, desdobrados em atitudes concretas, diante das ameaças à existência humana. Anunciar o Evangelho da Vida é compromisso urgente, especialmente quando se considera a realidade dos indefesos e fragilizados. Tudo o que se opõe à vida – aborto, homicídios, genocídio, violação da consciência, eutanásia, exclusão social, condições de vida sub-humanas, discriminações – merece adequado enfrentamento. Há uma ladainha de situações que precisam ser tratadas à luz do amor, do Evangelho da Vida. É hora de ecoar o coro da voz profética em defesa da vida, sagrado dom de Deus.