Dom Benedito Araújo
Bispo de Guajará-Mirim (RO)
XII Romaria da Terra e das Águas e florestas – Rondônia (Homilia)
Basílica Menor do Divino Espírito Santo – Município de Costa Marques
20/10/2024
Leituras: Ex. 3, 7-8; Sl 32 (33); HB 4, 14- 14; Mc 10, 35-45
Tema: “Ouvir e comprometer-se com as dores e as lutas dos povos e da mãe natureza”
Lema: “Deus viu a aflição, ouviu o clamor e desceu para libertar o povo de seus sofrimentos” (Ex. 3, 7-8).
Irmãos e irmãs, romeiros e romeiras que aqui chegaram das diversas regiões do Brasil em especial de Rondônia, do Regional Noroeste.
Você que nos acompanha pelas redes sociais, radiouvintes e internautas sintonizados na rádio educadora.
Romeiros/as das diversas Confissões religiosas, parceiros e amigos de longe e de perto, quanta alegria contar com vossa presença e comunhão nesta XII Romaria da Terra, das Águas e das florestas.
Neste Dia Mundial das Missões, o nosso louvor sobe aos céus com plena admiração e reconhecimento de toda criação como um mistério sagrado, neste chão da Amazonia.
Aqui, nos irmanamos pisando em terras centenária da devoção ao Divino Espírito Santo, a grande festa que ao longo dos 50 dias – da Pascoa ao Pentecostes – através da Romaria Fluvial sob a responsabilidade da Irmandade do Senhor Divino, são visitadas as comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígena do Brasil e da Bolívia.
Enquanto território da Diocese de Guajará-Mirim, são mil quilômetros de fronteira com a Bolivia! Quantos desafios!
Como diz a canção: “foi tão difícil a viagem até aqui, mas eu cheguei!”
Nós chegamos!”
Ao longo das nossas viagens, testemunhamos o cenário que nos questiona e convida a “ouvir e comprometer-se com as dores e as lutas dos povos e da mãe natureza”.
É o convite cantado que ecoou de dentro do barco Dalila, na travessia do Rio Guaporé para iniciarmos a XII Romaria, na festa do Divino seria de dentro da Carité – o barco/capela: “cheguei morador, cheguei; cheguei nos passos que não mereço; cheguei morador, cheguei!”.
Nós chegamos!
E somos testemunhas que muitas “situações provocam gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo. Nunca maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos. Mas somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta – a casa comum – seja o que Ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza e plenitude…” (LS 53).
Aqui estamos para bebermos na memória e na resistência de tantos irmão e irmãs, guardiões da casa comum; missão que continua custando perseguições e perda de vidas pelos testemunhos e vozes que se levantam contra a violação da natureza sem limites.
A fé que nos trouxe aqui e nos move nesta luta é a certeza e a esperança de que “Deus viu a aflição, ouviu o clamor e desceu para libertar o povo de seus sofrimentos” (Ex. 3, 7-8).
Deus se apresenta perenemente fiel: é o Deus dos antepassados Abraão, Isaac e Jacó, o Deus da Aliança com os patriarcas e matriarcas, o Deus que caminha com o seu povo, como Deus dos pobres e oprimidos Ele ver, ouve e desce para libertar.
E porque é o Deus dos oprimidos, é profundamente sensível a ponto de ver a exploração, ouvir o clamor do desesperado grito por justiça, É um Deus que se solidariza com os deserdados, os encurvados pelo poder opressor.
Essa solidariedade de Deus para com seu povo nos provoca a viver a solidariedade para com todos os gritos e gemidos dos povos e da mãe natureza.
Podemos dizer que diante da urgência do Cuidado com a Casa Comum, a partir do Evangelho de Marcos que acabamos de ouvir, Jesus deixa claro que a importância fundamental é o serviço e não a imposição.
Amar e servir são regras de ouro para quem crer e se coloca a serviço do Reino de Deus e da justiça.
A caminho de Jerusalém, Jesus vai advertindo seus discípulos sobre o destino doloroso que o espera e aos que seguem seus passos. A falta de consciência dos que o seguem é estarrecedora.
Infelizmente, na cabeça e no coração dos discípulos, mesmo convivendo com o Mestre, imperava a mentalidade do poder dominante. Não entenderam a lição da partilha e pior de tudo em vez de converter-se ao verdadeiro rosto de Jesus, cada um queria adaptá-Lo a seus esquemas.
A mudança de mentalidade não é fácil, que o diga o Apostolo Pedro, quando foi claramente repreendido, “afasta-te de mim…”.
Não é fácil os discípulos beberem o cálice que o Mestre Jesus bebeu. O cálice amargo, símbolo da perseguição, da dor, do sofrimento e morte, do enfrentamento, da opção clara em defesa dos encurvados e marginalizados do seu tempo.
Creio que o Evangelho mexe com todos nós diante das ideologias erradas, vergonhosas, polarizantes, violentas e dolorosas frente as exigências da amizade e cuidado com a mãe natureza.
Como nos alerta o querido Papa Francisco, não podemos negar que “…O descuido no compromisso de cultivar e manter um correto relacionamento com o próximo, relativamente a quem sou devedor da minha solicitude e proteção, destrói o relacionamento interior comigo mesmo, com os outros, com Deus e com a terra. Quando todas estas relações são negligenciadas, quando a justiça deixa de habitar na terra, a Palavra de Deus nos diz que toda a vida está em perigo…” (LS 70).
Embora muitos pretendam continuar a crer que tudo vai bem, como se nada acontecesse, a irresponsabilidade para bem cuidar da casa comum é um comportamento danoso e satânico.
Por isso, para muitos queimar é normal; a fumaça é normal; a seca dos rios é normal; envenenar os rios, o solo freático é normal; destruir as nascentes, os mananciais é normal; a invasão das terras protegidas por lei é normal; a invasão e extinção dos biomas é normal; a extinção das espécies é normal; e o pior de tudo, quando chega a tragédia, a dor, a desgraça, colocam a culpa em Deus e continuam afirmando que é normal em vista do desenvolvimento e do progresso. E jamais pensam na sustentabilidade e nas futuras gerações.
O poeta Juan Carlos Galeano nos diz: “Aqueles que pensavam que o rio fosse uma corda para jogar, enganavam-se. O rio é uma veia muito sutil sobre a face da terra. (…). O rio é uma corda onde se agarram os animais e as árvores. Se o puxarem demais, o rio poderia arrebentar. Poderia explodir e lavar-nos a cara com a água e com o sangue”.
Basta recordar: a seca nos rios Amazônidas; a seca do Rio Madeira; a tragedia no Rio Grande do Sul; Em 2024, o Brasil registrou aumento de 104% nos focos de queimadas, muitos orquestrados, incentivados e portanto criminosos; passamos quase dois meses em Rondônia sem ver o céu, as estrelas, só fumaça; as terras indígenas cada vez mais vulneráveis, invadidas e exploradas ilegalmente inclusive com a cooptação de alguns de seus líderes; alguns postos policiais abarrotados com apreensão de madeira apreendida ilegalmente.
Segundo o CIMI, em 2023 foram 1.276 conflitos envolvendo direitos territoriais com invasão e exploração de recursos naturais e danos ao patrimônio; 208 indígenas assassinados.
Enquanto a CPT também em 2023 registrou 2.203 conflitos no campo e 31 assassinatos. Muitas vezes, a insegurança jurídica é tamanha que deixa os pobres a “ver navios”. Como me disse um parente indígena: “não sabemos mais a quem recorrer”.
Com tudo isto romeiros e romeiras, “o ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo mais trágico os mais frágeis do planeta” (LS 48).
Daqui a pouco seremos enviados!
O que levaremos no coração?
Como testemunharemos o que aqui vivenciamos como romeiros e romeiras?
Peçamos ao Senhor que nos conceda a graça da firmeza na fé e na luta.
Que os mártires da caminhada nos inspirem cada vez mais no compromisso com Deus a serviço da justiça e da vida.
Que a Senhora negra, Yá querida, soberana quilombola Mãe de Deus, Aparecida, entre n´s Senhora dos Seringueiros, interceda por nós.