Dom Francisco Biasin
A realização da Assembléia do DCJ acontece por lembrar os 45 anos de publicação da Declaração Nostra Aetate do Concílio Vaticano II.
Datada de 28 de outubro de 1965, a Declaração “Nostra Aetate” do Concílio Vaticano II sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs, representa uma virada importante na história das relações entre judeus e católicos. Nela os bispos da Igreja Católica condenaram formalmente o anti-semitismo, afirmando: “A Igreja (…) deplora os ódios, as perseguições, as manifestações anti-semitas dirigidas contra os judeus em qualquer época e por qualquer pessoa”.(NA 4) O Concílio, assim, alterou irreversivelmente a maneira pela qual nos enxergamos uns aos outros.
A iniciativa conciliar, aliás, inscreveu-se numa conjuntura profundamente modificada pela recordação das perseguições e das chacinas de judeus, que se verificaram na Europa imediatamente antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Embora o cristianismo tenha nascido no judaísmo e dele tenha recebido alguns elementos essenciais da sua fé e do seu culto, entre ambos, ao longo dos séculos, cavou-se cada vez mais o abismo, de sorte que se chegou quase a uma incompreensão de parte a parte.
Desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, as barreiras de desconfiança mútua foram gradativamente se dissolvendo. De 1965 até hoje, estabeleceram-se mais contatos positivos do que em todos os 1900 anos anteriores e as relações entre judeus e católicos melhoraram radicalmente. Onde havia ignorância, e portanto preconceito, hoje há crescente estima e respeito recíproco. Conscientes dos resultados positivos alcançados nestas últimas décadas, sentimo-nos determinados a prosseguir a caminhada rumo a um futuro de fraternidade, harmonia e paz.
Mesmo empenhados em sonhar e construir este futuro, temos consciência de que o judaísmo, como berço do cristianismo, é geralmente desconhecido. Há muitos preconceitos a respeito. Lamentamos que, mesmo depois do horrível Holocausto sofrido pelo povo judeu no século passado, continuem movimentos e atitudes anti-semitas no mundo inteiro.
Quanto à terra de Israel, faz-se oportuno recordar que o Senhor Deus quis dar a Abraão e à sua descendência, como fruto da promessa, a antiga terra de Canaã, que os judeus habitaram. A ocupação romana e as sucessivas invasões do país de Israel acarretaram duras vicissitudes para o povo disperso entre nações estrangeiras. É de se reconhecer o direito dos judeus a uma existência política tranqüila na sua terra de origem, sem que isto acarrete injustiça ou violência a outros povos. E, para a consciência do povo judeu, este direito se concretiza no Estado de Israel.
Que outra nação no mundo contemporâneo fala o mesmo idioma, professa a mesma fé e habita a mesma região de 3000 anos atrás? Não é difícil entender o apego emocional dos judeus à terra de Israel. É uma terra que lhes pertence não só por direito, mas, acima de tudo, porque constitui a concretização de uma profecia bíblica que é o esteio da história, da lei e da fé judaica.
Objetivos e meios para promover o diálogo
Seja-me permitido lembrar aqui para todos, mas principalmente para nós católicos, alguns objetivos e meios para realizar um diálogo frutuoso:
O diálogo religioso ou inter-religioso deve ser vivido e alimentado pela vida, para que a palavra não se desgaste. Através da palavra passa a vida, e com esta a comunhão. Atingindo-se a comunhão chega-se a Deus.
Diálogo religioso é a procura de Deus por meio do irmão, em quem Deus se revela, a partir de sua própria experiência de Deus.
O objetivo mais imediato do diálogo é conhecer o outro, para ver o que Deus nos diz por meio dele. E não em primeiro lugar dizer ao outro o que queremos.
O conhecimento do outro, o modo como ele se vê, como ele reza, como conhece a Deus, é o primeiro passo do diálogo religioso.
Um segundo passo será a humildade de aprender. No diálogo com o judaísmo, os cristãos têm muito a aprender. Os judeus receberam, conservaram e aprofundaram uma rica tradição religiosa, teológica, bíblica e espiritual, fundamento das Igrejas cristãs.
Este diálogo acontece primeiramente no dia-a-dia, nos trabalhos, nos contatos, nas lutas pela justiça etc. Muitas vezes, quando os homens lutam e vivem unidos, caem os preconceitos oriundos da formação humana e religiosa recebida em suas respectivas instituições. Realmente nada como a vida para formar.
Os Judeus no Brasil
O incremento demográfico dos judeus no nosso país não é devido somente à imigração. Nos últimos decênios restringe-se mais ao crescimento interno, concorrendo para tanto a convivência comunitária.
A coletividade judaica do Brasil é hoje, numericamente, a segunda na América Latina, cuja maior comunidade, vive na Argentina.
A aproximação mútua entre a coletividade judaica e a população em geral se manifesta através de mostras de solidariedade e reconhecimento, tanto por parte do povo como das autoridades do país.
Existe, portanto, não apenas uma aproximação e sim uma integração sempre crescente da cultura judaica com a cultura brasileira, que por ser plural, é includente, oferece espaço e dá cidadania a todas as culturas que se apresentam repletas de valores éticos e religiosos. No Brasil é possível um ensaio pacífico de harmonia na diversidade religiosa e cultural dos seus cidadãos. O Brasil tenha talvez uma vocação muito peculiar: a de apresentar ao mundo que é possível viver em paz, no respeito de tradições religiosas e culturais diferentes. Aliás, ouso dizer, que o Brasil permite e favorece uma aproximação fecunda das diversas tradições de modo que, cada uma, sem perder a sua identidade, possa se enriquecer dos valores positivos das outras para sublinhar e colocar em relevo mais o que nos une do que aquilo que nos divide.
O que nos divide e cria instabilidade no Brasil é a exclusão social, o abismo ainda existente entre ricos e pobres, a existência de uma massa sobrante que grita por cidadania plena. Quem sabe se a confluência de tantas energias positivas, do esforço de tantos sujeitos sociais ricos em valores éticos e religiosos possa contribuir, através de iniciativas, projetos e trabalhos comuns, para diminuir e até superar este tipo de exclusão?!
Neste sentido, o diálogo é fecundo, o conhecimento mútuo é necessário, a colaboração fraterna é urgente. E o fruto será a paz, o shalom bíblico, sonho comum de judeus e de cristãos.
Conclusão
Concluo citando um breve trecho do discurso pronunciado pelo Papa Bento XVI em ocasião da visita ao mausoleo di Yad Vashem em Jerusalém, no dia 11 de maio de 2009: “A Igreja Católica, empenhada nos ensinamentos de Jesus e orientada para imitar o seu amor por todas as pessoas, experimenta uma profunda compaixão pelas vítimas aqui recordadas. Do mesmo modo, coloca-se ao lado de quantos hoje estão sujeitos a perseguições por causa da raça, da cor, da condição de vida ou da religião – os seus sofrimentos são também os dela e dela é a sua esperança de justiça. Como Bispo de Roma e Sucessor do Apóstolo Pedro, confirmo – como os meus predecessores – o empenho da Igreja a rezar e agir incansavelmente a fim de garantir que o ódio nunca mais reine no coração dos homens. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob é o Deus da paz (cf. Sl 85, 9)”.
Shalom a todos!
