Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Instituído por São João Paulo II, no dia 2 de fevereiro, na Festa da Apresentação do Senhor, celebramos o Dia Mundial da Vida Consagrada. Nesse dia a Liturgia mostra Jesus que vai ao encontro do seu povo. É a festa do encontro: a novidade do Menino encontra a tradição do templo; a promessa encontra o seu cumprimento; Maria e José, jovens, encontram Simeão e Ana, idosos. Enfim, tudo se encontra, quando chega Jesus. Se pudéssemos definir em uma palavra, o cristianismo poderia ser denominado a religião do encontro, pois temos um Deus Uno e Trino, que vivendo na comunhão perfeita, quer se encontrar, deixa-se encontrar, quer ser encontrado.
Por ocasião desse dia, todos os consagrados renovam seu compromisso de ser “luz do mundo e sal da terra”, de trabalhar pela paz e pela fraternidade, acolhendo o convite do Pontífice para serem “homens e mulheres que iluminam o futuro”, seja na vida consagrada religiosa, seja na vida consagrada secular.
Em nível mundial, a Congregação para os Institutos de Vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica anunciou três grandes eventos para este ano da Graça do Senhor de 2020: o primeiro deles é um encontro mundial sobre o diálogo entre os carismas históricos e atuais; o segundo, um congresso internacional em Ávila, na Espanha, para os Institutos Seculares e o terceiro um encontro mundial sobre a Ordem das Virgens.
Ao indicar a celebração desta jornada e desses eventos, o Eminentíssimo Senhor Prefeito da Congregação recorda: “estamos em um momento da Vida consagrada de repensamento: os carismas dados à Igreja são dons, têm um valor e um sentido em si muito grande, seja os carismas históricos, seja os novos carismas que estão chegando”. De fato, as Ordens e Congregações mais antigas, sempre na dinâmica da refundação, no sentido de retornar aos fundamentos iniciais do carisma é chamada a manter o que Espírito Santo soprou aos fundadores, na dinâmica do diálogo com os novos Institutos que contribuem com a riqueza dos novos carismas para a instauração do Reino, no testemunho que a Vida consagrada é chamada a dar em todos os âmbitos de sua atuação, seja na dimensão apostólica que na dimensão contemplativa.
O Eminentíssimo Senhor Prefeito recorda ainda que: “Para os carismas históricos, todo o problema é a sua renovação. Hoje, a questão da abertura do diálogo com a cultura deste momento é fundamental. Mas nós não podemos perder neste diálogo aqueles valores que são tipicamente da Vida consagrada: o seguimento de Cristo, este é o ponto fundamental da formação na Vida consagrada, o seguimento do carisma dos nossos fundadores e esta capacidade constante de se renovar, dialogando com a cultura do momento”.
Nós consagrados na vida religiosa ou secular não devemos jamais nos esquecer que “o fundador viveu em um outro momento histórico, então agora nós temos que atualizar. Isto é feito através da atualização das Constituições, dos novos diretórios para a Vida consagrada, mas isto é feito à luz do Concílio e do Magistério atual. Este caminho os carismas antigos têm que fazer. Os carismas novos têm muito mais facilidade, seja em vocações, seja em presença no mundo de hoje, mas o que falta muitas vezes é uma consolidação da experiência. Há uma experiência muito jovem, nova, que precisa ser consolidada e se ela não tiver as características verdadeiramente da Vida consagrada ela não vai subsistir, ela não vai ter força”.
O antigo não pode fechar-se ao novo, nem tampouco o novo prescindir do mais antigo, por isso o Eminentíssimo Senhor Prefeito recorda: “um terceiro ponto é o diálogo entre essas duas realidades. Eu acho que tudo isso está crescendo, mas é preciso que a gente se abra para isso, crie a mentalidade do homem universal, da mulher universal, que dialoga, que abre, que compreende, não em vista de ter mais espaço para o seu carisma, mas em vista de um aprofundamento da própria experiência seja espiritual, seja carismática. Eu acho que este processo está acontecendo devagar na Igreja. Em um processo de maior transparência, de maior testemunho, de um testemunho mais comunitário”.
A cada Ano, o Santo Padre seja antes, seja na homilia proferida na Santa Missa, que costuma celebrar com os membros dos Institutos de vida consagrada deixa-nos uma mensagem, que ajuda a renovar o compromisso assumido no dia em que professaram os Conselhos evangélicos (pobreza, obediência e castidade) ou os votos que caracterizam o próprio Instituto.
No ano passado, o Santo Padre o Papa Francisco, na sua homilia recordou, detendo-se na dimensão do encontro: “o que significa isto para nós? Antes de mais nada, que também nós somos chamados a acolher Jesus, que vem ao nosso encontro. Encontrá-lo: o Deus da vida deve ser encontrado todos os dias da vida; não ocasionalmente, mas todos os dias. Seguir Jesus não é uma decisão tomada uma vez por todas; é uma opção diária. E o Senhor não Se encontra virtualmente, mas diretamente, encontrando-o na vida, na vida concreta. Caso contrário, Jesus torna-se apenas uma bela recordação do passado. Mas, quando o acolhemos como Senhor da vida, centro de tudo, coração pulsante de todas as coisas, então Ele vive e revive em nós. E acontece, também a nós, o que sucedeu no templo: ao redor dele tudo se encontra, a vida torna-se harmoniosa. Com Jesus, reencontra-se a coragem de avançar e a força de permanecer firme. O encontro com o Senhor é a fonte. Então é importante voltar às fontes: percorrer com a memória os encontros decisivos que tivemos com Ele, reavivar o primeiro amor, talvez escrever a nossa história de amor com o Senhor. Fará bem à nossa vida consagrada, para que não se torne tempo que passa, mas seja tempo de encontro.
“Se recordarmos o nosso encontro fundante com o Senhor, dar-nos-emos conta de que não surgiu como uma questão privada entre nós e Deus. Não! Desabrochou no povo fiel, ao lado de tantos irmãos e irmãs, em tempos e lugares concretos. Assim nos diz o Evangelho, mostrando como o encontro tem lugar no povo de Deus, na sua história concreta, nas suas tradições vivas: no templo, segundo a Lei, no clima da profecia, com os jovens e os idosos juntos (cf. Lc 2, 25-28.34). O mesmo se passa com a vida consagrada: desabrocha e floresce na Igreja; se se isolar, murcha. Aquela amadurece quando os jovens e os idosos caminham juntos, quando os jovens reencontram as raízes e os idosos acolhem os frutos. Mas estagna quando se caminha sozinho, quando se permanece fixado no passado ou se salta para a frente para tentar sobreviver. Hoje, festa do encontro, peçamos a graça de redescobrir o Senhor vivo, no povo crente, e de fazer encontrar o carisma recebido com a graça do dia de hoje”.
Encontrar e deixar ser encontrado, nesse processo dinâmico a Vida consagrada na Igreja é chamada continuamente a ser sinal do mundo daquelas realidades que não passam, antecipando na vida comunitária as realidades próprias e estáveis da vida escatológica.
Nessa dinâmica do encontro é imprescindível retornar ao amor primeiro, ao chamado inicial e a pureza da nossa resposta, pois no decurso do tempo podemos nos desviar por veredas que nos podem afastar do essencial deste encontro, do essencial da consagração que livremente fizemos, como resposta ao dom da vocação por Deus concedida para o seguimento de Cristo em um carisma que o Espírito Santo suscitou para ser vivido na Igreja.