Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

 

 

Em 1947, Manuel Bandeira escreveu o poema “O Bicho”:  

“Vi ontem um bicho.  

 Na imundície do pátio. 

 Catando comida entre os detritos.  

 Quando achava alguma coisa,  

 Não examinava nem cheirava:  

 Engolia com voracidade.  

 O bicho não era um cão, 

 Não era um gato,  

 Não era um rato.  

O bicho, meu Deus, era um homem.” 

Na Quaresma de 2023, a CNBB propõe que a Campanha da Fraternidade reze e reflita sobre a questão da fome, cujo lema é: “Dai-lhes vós mesmos de comer.” (Mt 14,16). O Texto-Base dessa campanha afirma que a fome é um instinto natural e poderoso de sobrevivência, presente em todos os seres vivos, é também um fenômeno biológico, que aciona uma sensação passageira de desconforto, e que toda criatura tem necessidade de se alimentar, para proporcionar seu próprio desenvolvimento e para se manter viva durante o maior tempo possível. 

Diante dessa realidade natural, preocupa, sobremaneira, a constatação de que grande parte da população do Brasil e do mundo não tem acesso à alimentação. O drama da fome interpela os que acreditam em Cristo para enfrentar o desafio e se comprometerem solidariamente com os famintos. A Campanha da Fraternidade alerta sobre esse problema como sendo tragédia, escândalo e negação da própria existência. 

 Nesse sentido, afirmou o Papa Francisco: “Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha. Em grande parte, é provocada por uma distribuição desigual dos frutos da terra, à qual se acrescentam a falta de investimentos no setor agrícola, as consequências das mudanças climáticas e o aumento dos conflitos em várias regiões do Planeta. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Diante dessa realidade, não podemos permanecer insensíveis ou paralisados. Somos todos responsáveis.” 

Os cristãos, seguindo o mandato de Jesus Cristo: “Dai-lhes vós mesmos de comer”, ocuparam-se sempre de socorrer os que passam fome. O princípio da dignidade da pessoa humana e do destino comum dos bens impele a uma ação concreta contra a fome. São Lourenço, São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros são referenciais permanentes de que é preciso abrir os olhos e o coração para ver o infra-humano de tantos e condenar o inumano de outros que permitem que a fome persista ao longo dos séculos. 

  O Texto-Base da CNBB sobre a Campanha da Fraternidade sinaliza que “há muita gente lutando contra a fome no Brasil. Muitas são as Igrejas, os Movimentos Sociais, as ONGs e outras instituições empenhadas no combate à fome”. Igualmente o texto também exorta que “estabelecer entre estes diversos atores sociais sólidas parcerias é fundamental. É preciso visibilizar e valorizar grandes redes de proteção alimentar que já existem e realizam um trabalho primoroso. O testemunho dessas iniciativas será semente e oportunidade de novas iniciativas no combate à fome”. 

 

 

Tags:

leia também