Em suas cartas, Paulo não diz nada a respeito da missão em Chipre. Tudo o que sabemos encontra-se em Atos 13,1-12. Chipre é uma ilha no mar Mediterrâneo e, na época de Paulo, contava com um número significativo de judeus. Os romanos a dominaram no primeiro século antes de Cristo. Os Atos dos Apóstolos nos contam que para lá se dirigiram os primeiros missionários de Antioquia. Aportaram em Salamina, uma das maiores cidades de Chipre, e percorreram toda a ilha até Pafos, onde residia o procônsul romano Sérgio Paulo.

 

Foram bem sucedidos com o procônsul, que abraçou a fé, mas tiveram dificuldades com um mago judeu chamado Bar Jesus ou Elimas. Barnabé e Paulo tinham trabalhado um ano todo na formação da comunidade de Antioquia. Agora, ela já contava com profetas e doutores. Os profetas demonstravam que Jesus de Nazaré é o Messias anunciado pelas Escrituras, enquanto os doutores transmitiam e explicavam o que Jesus ensinou. Os Atos mencionam cinco desses profetas e doutores e dão a entender que os cinco foram enviados em missão. São eles Barnabé, Simeão o Negro, Lúcio de Cirene, Manaem e Saulo. Os irmãos rezaram, impuseram-lhes as mãos e os enviaram. Eram todos judeus helenistas, de cultura grega, convertidos ao cristianismo. A imposição das mãos não foi um gesto mágico para conferir o Espírito, mas um rito de investidura missionária, que revela a presença atuante do Espírito.

Eles já tinham o Espírito, pois eram profetas e doutores, assim como os sete “diáconos” do capítulo sexto dos Atos dos Apóstolos que foram escolhidos porque tinham boa reputação e eram cheios do Espírito Santo e de sabedoria (At 6,3). Há, porém, no relato uma intervenção direta do Espírito Santo no envio de Barnabé e Saulo. Aqui também, antes da imposição das mãos, o Espírito escolhe Barnabé e Saulo para uma obra especial. A missão dos dois é, portanto, resultado de um chamado pessoal do Espírito de Deus. Esse destaque dado a Barnabé e Saulo faz com que o versículo seguinte se restrinja também a eles. A comunidade ora e impõe as mãos sobre os dois e os despede. Nós estamos lendo At 13,1-3. Segundo os estudiosos dos Atos, primeiro foram escritos os versículos 1 e 3. Depois, São Lucas, reescrevendo o texto primitivo, acrescentou o versículo 2 para destacar a ação do Espírito Santo. Uma curiosidade para o leitor: em At 13,4, lemos que, “enviados pelo ‘Espírito Santo’, eles desceram até Selêucia”.

Foi isso que o versículo 2 disse, que o “Espírito Santo” escolheu Barnabé e Saulo. Assim lemos na Bíblia, que reproduz os textos chamados “alexandrinos”. Há, porém, um outro texto grego antigo, chamado “ocidental”, no qual se lê que eles foram enviados pelos “santos”, e não pelo Espírito Santo. Temos então duas leituras para o início da missão: os santos, isto é, os cristãos de Antioquia escolhem cinco dentre os diversos profetas e doutores da comunidade, impõem sobre eles as mãos e os enviam em missão. Outra leitura, a de São Lucas: havia cinco profetas e doutores na comunidade e, dentre eles, dois foram escolhidos pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo, que receberam a imposição das mãos e partiram em missão para Chipre, a ilha dos magos. Um escritor de história natural, chamado Plínio, o Velho, que viveu entre os anos 23 e 79 da nossa era, falou dos magos de Chipre. Ele escreveu sobre uma seita mágica ligada a Moisés, a Jamnes, a Jotapês e aos judeus, e acrescentou que “muito mais recente é a seita de Chipre”. Plínio dizia que “a magia, mantendo o espírito humano acorrentado por um tríplice laço, o da medicina, o da religião e o da astrologia”, tinha atingido muitas nações e influenciado os reis do Oriente. Havia, portanto, uma organização de magos em Chipre, e os missionários tiveram dificuldades com eles por serem homens da medicina, da astrologia, da adivinhação e da feitiçaria. Seus poderes mágicos faziam concorrência com os milagres dos discípulos. Confira o confronto de Moisés com os magos do Egito em Ex 7, 8-13.

Cônego Celso Pedro
Arquidiocese de São Paulo

Tags:

leia também