A pandemia e o murmúrio do amor

Dom Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas (RS)

 

Muitas vezes e em diversas circunstâncias, eu trouxe presentes para mim as palavras do místico sufita Gialel ed-din Rumi (1207-1273) e foram sempre determinantes de sentido. Gialel foi o fundador dos dervixes dançantes de Konya, na Turquia.

As palavras do místico, lidas um dia e trazidas presentes tantas vezes e em diversas circunstâncias, rezam assim: “O Senhor murmurou alguma coisa aos ouvidos da rosa e ei-la abrir-se ao sorriso. O Senhor murmurou alguma coisa aos ouvidos da pedra e ei-la preciosa cintilante na mina. O Senhor murmurou alguma coisa aos ouvidos do sol e eis que sua face se abre de mil eclipses. Mas o que será que o Senhor murmurou aos ouvidos do homem para que só ele seja capaz de amar e de amá-Lo? Murmurou AMOR!”.

Neste meu escrito, tendo presente o tempo pandêmico em que vivemos, eis que trago novamente presentes as palavras do místico Gialel. E a questão de fundo que coloco é: O Senhor continua murmurando alguma coisa aos ouvidos da rosa, da pedra e do sol? O Senhor não está disposto a murmurar de novo o amor aos ouvidos do homem?

É fácil imaginar que a rosa jamais sorriria sem o Senhor murmurar alguma coisa aos seus ouvidos. O sorriso da rosa é a sua beleza. A nossa “terra” precisa de beleza! É fácil também imaginar que a pedra jamais seria preciosa sem o Senhor murmurar alguma coisa aos seus ouvidos. A preciosidade da pedra é a sua verdade. A nossa “terra” precisa da verdade! Ainda, por fim, é fácil imaginar que o sol jamais se abriria de mil eclipses sem o Senhor murmurar aos seus ouvidos. A abertura de eclipses do sol mostra a sua transparência. A nossa “terra” precisa da transparência!

Graças ao murmúrio divino aos ouvidos da rosa, da pedra e do sol, temos a beleza, a verdade e a transparência na “terra”. Mas, parafraseando o Criador, na sua fala presente no livro bíblico do Gênesis, capítulo dois, podemos também aqui colocar na sua boca: “Não é bom que a ‘terra’ tenha só beleza, verdade e transparência! Murmuremos aos ouvidos do homem o amor! Assim, a ‘terra’ terá novamente a sua beleza, sua verdade e sua transparência, porque nela estará o amor murmurado aos ouvidos do homem. A “terra” precisa do amor!”

Com a atual pandemia percebemos que a “terra” estava perdendo a beleza, a verdade e a transparência. Os murmúrios aos ouvidos da rosa, da pedra, do sol, e, fundamentalmente, do homem já não eram mais divinos! Ficamos apenas com a rosa sem o sorriso, a pedra sem a verdade e o sol sem a transparência. Veio a pandemia e ela nos fez sentir intensamente a necessidade de um novo murmúrio de Deus à rosa, à pedra, ao sol e, acima de tudo, ela nos fez sentir a necessidade premente de um renovado murmúrio divino aos nossos ouvidos humanos.

E o maravilhoso acontece: Deus, no meio dessa pandemia, está tendo espaço para voltar a murmurar aos ouvidos da rosa, da pedra e do sol; está tendo espaço de voltar a murmurar aos nossos ouvidos de uma humanidade ferida e mais humilde: “Eu quero lhes murmurar o amor, pois com esse murmúrio do amor, a ‘terra’ voltará a ter o sorriso belo da rosa, a verdade preciosa da pedra e a transparência eclipsada do sol. E o amor novamente tudo transformará!”

Deixemos Deus, nós que estamos envolvidos pela COVID-19, murmurar aos ouvidos da rosa a beleza, aos ouvidas da pedra a verdade e aos ouvidos do sol a transparência! Deixemos Deus murmurar aos nossos ouvidos o AMOR.

 

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