O desígnio de Deus é reunir em uma só família todos os(as) seus filhos(as). Deus é comunhão amorosa onde a distinção das pessoas se dá em uma oposição de relação segundo a qual ser pessoa é estar inteiramente voltado para o outro de tal modo que tudo que um é, o outro o é igualmente com Ele. Assim orou Jesus ao Pai: “tudo que é meu é teu e tudo o que é teu é meu”(Jo 17,10). E pedia ao Pai que “todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que eles estejam em nós…que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade…”(Jo 17,21-23). Em Deus o Um são três: o amante,o amado e o amor. Por ser amor, Deus só pode ser assim: amante(o Pai), o amado (o Filho) e o amor (o Espírito). É mistério porque é infinitamente belo. O amor de dois só é verdadeiro se se abre para um terceiro, do contrário será egoísmo a dois. Deus é família. Deus não se contentou em ser só Ele em sua Trindade perfeitíssima, quis fazer família com uma multidão quase infinita de seres capazes de amor, os anjos e os seres humanos. O universo é feito de partículas infinitamente pequenas que se atraem. Os seres humanos sentem dentro de si esse impulso a fazer comunhão uns com os outros. Por isso a solidão é insuportável e, tornada definitiva, cortadas todas as ligações, é a própria morte. A família humana só estará completa quando se reunirem todos os seres humanos na comunhão com a divina família.
E toda pequena família, aquela na qual nascemos e crescemos, deve espelhar o mistério da Trindade, afirmando a identidade – a distinção – das pessoas na mais profunda comunhão. Mas a pequena família desaparece. Seu sentido é multiplicar as pessoas e prepará-las para participar nesse mundo da construção da grande família humana e, depois, ser na eternidade a família dos bem-aventurados, a gloriosa família dos santos, mergulhados no mistério de Deus, que é a família fonte e destino da humanidade. Hoje, 27 de dezembro é, na Igreja Católica, a Solenidade da Sagrada Família: Jesus, Maria e José. Uma família cuja existência estava inteiramente voltada para a construção da grande família de Deus. Ali, em Nazaré, se viveu, por primeiro, intensamente, uma comunhão que lembrava permanentemente a comunhão da Trindade. José e Maria compreenderam que o Filho que lhes fora dado pelo Pai pela ação do Espírito Santo não era só para eles. Mais: compreenderam que eles deveriam se integrar na missão do Filho cuja existência se destinava a salvar a totalidade da família humana. Foi, quando da perda do menino no templo que, pela primeira vez, escutaram da boca do garoto de 12 anos, agora adulto diante da lei mosaica, estas palavras que lhes ressoaram misteriosas: “por que me procuráveis? Não sabíeis que estar ocupado nas coisas de meu Pai? Eles, porém, não compreenderam a palavra que ele lhes dissera”.(Lc 2,49-50).
São Lucas apenas observa que “sua mãe, porém, conservava a lembrança de todos esses fatos em seu coração”(Lc 2,51). Anos antes da paixão de Jesus José deixou esse mundo. Ficou o Filho e a Mãe. A pequena família se reduz agora aos dois, sempre lembrados da figura do pai, e fica cada vez mais claro no coração da mãe que Ele, Jesus, é todo para o Pai e para a humanidade, esta, objeto do infinito amor do Pai. É assim que Maria se associa plenamente, com consciência cada vez mais clara, à missão do Filho. Ao pé da Cruz ela terá compreendido plenamente as palavras do menino de 12 anos e do adulto de trinta, quando nas bodas de Caná lhe disse: “que temos nós a ver com isso, mulher? Minha hora ainda não chegou”(Jo 2,5). Quando chegou a hora de Jesus, a hora suprema, lá estava ela e Ele lhe disse: “Mulher, eis aí teu filho! Depois disse ao discípulo: eis aí tua mãe”(Jo 19,26-27).
Aqui se consuma a missão histórica da Sagrada Família de Nazaré e nasce a grande família de Deus que é sua Igreja. A família, a pequena, aquela na qual nascemos e crescemos passa. Sua missão é se colocar a serviço da grande família de Deus. Para isso ela deve ser uma família santa, sagrada, pois toda família é sagrada: obra de Deus, reflexo da família Trinitária e semente da imensa família dos santos que no céu cantarão com os anjos a alegria e a glória do Deus-Amor. Os pais – homem e mulher – geram filhos, não para si mesmos, mas para o mundo, para a grande família de irmãos que Deus intencionou ao querer a existência da humanidade. Os filhos não nos pertencem, pertencem a Deus que os destina a serem membros de sua grande família reunida pelo Espírito Santo na pessoa de seu amado Filho, Jesus. O sacerdote, o consagrado, não tem a pequena família, vive integralmente para a grande família, a família definitiva que só estará completa quando chegar à plenitude do tempo. Não querer ter filhos é negar a fecundidade de Deus. Não ajudar os filhos a seguirem o próprio caminho, tentar retê-los para si, é impedir que se realizem e que participem plenamente da construção da grande família humana, é frustrá-los. Realizada é a pessoa que se sente inserida na comunhão universal. O destino do mundo depende, prezado(a) leitor(a), da maneira como cada família vive sua missão de ser semente de uma família humana nova, mais solidária e mais fraterna.