Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta

Enquanto caminhamos, com Jesus e com os irmãos, para Jerusalém, para a Páscoa, somos recordados de um ponto essencial da vida cristã: o jejum. O jejum normalmente não tem um fim em si mesmo. Ninguém jejua para fins físicos, como emagrecer. Sempre se jejua para fins espirituais. Ele é uma predisposição da pessoa para algo maior, que ainda não possuímos, que buscamos sempre. O jejum nos deixa sempre com fome e sede de algo mais. Nos torna conscientes de que viemos de Deus, somos suas criaturas, dependemos dele sempre. O jejum faz voltar o pensamento e o olhar para Deus. O ser humano, como a mulher Samaritana, pede: “Dá-me sempre desta água, para que eu não tenha mais sede, nem precise voltar aqui” (Jo 4,15 ). De fato, temos sede! Enquanto caminhamos neste mundo, por mais que tenhamos coisas para usufruir, nunca estamos totalmente completos, felizes.

O tempo quaresmal é uma intensificação do desejo de Deus e da caridade. Ao termos sede de Deus, olhamos para os mais pobres. Quando estamos saciados completamente, muitas vezes, nem nos recordamos de Deus. Por isso, a Igreja apresenta o jejum como algo central de nossa espiritualidade quaresmal. A sabedoria dos monges antigos nos recorda que se deve levantar da mesa sempre com um pouco de fome para nunca esquecer que o verdadeiro alimento se procura na Palavra de Deus. A Escritura nos diz: “Coisa boa é a oração com o jejum e a esmola com a justiça” (Tb 12,8). Também, neste sentido, Jesus no seu evangelho disse palavras sábias: “Portanto, não vos inquieteis, dizendo: ‘Que havemos de comer?’ ou: ‘Que havemos de beber?’ ou: ‘Com que nos havemos de vestir?’ Pois a todas estas coisas os gentios procuram. Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso. […] Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo” (Mt 6, 31.33). O jejum nos conduz ao essencial e nos liberta dos excessos desnecessários.

Dito de outro modo, o jejum nos conduz à sobriedade como um estilo de vida. A sobriedade de vida é uma opção livre e muito necessária na educação hoje. Não podem os pais consentirem e dizerem sempre “sim” aos filhos. Se faltar o “não”, com suficientes razões, poderão se acostumar a uma vida sem limites. Sobriedade é uma questão de educação. Mas também é uma possibilidade de olhar para além de si mesmos e da sua família. É um gesto concreto de solidariedade. No mundo não faltam alimentos produzidos. Falta solidariedade. São Cipriano dizia que os alimentos que sobram do jejum ficam para os pobres: “No dia do jejum, alimentar-te-ás apenas de pão e de água e, calculada a despesa dos alimentos que terias consumido darás esta soma correspondente a uma viúva, a um órfão, a um necessitado”. A opção por uma vida sóbria, fruto de uma educação e treinamento, faz as pessoas serem mais felizes.

Cuidemos do acúmulo. A humanidade será mais feliz consumindo menos. Acostumemo-nos a valorizar cada momento, cada pessoa, cada situação como única. A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora, pois ajuda a “reduzir o número das necessidades insatisfeitas e diminuem o cansaço e ansiedade” (LS, n. 223). Ela produz paz interior. O jejum vivido livremente, com objetivos espirituais, também nos educa à simplicidade de vida, saborear as pequenas coisas, sem ficarmos ansiosos pelo que não possuímos.

 

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