Acordo Brasil e Santa Sé

Na quinta-feira, dia 13 de novembro, o Presidente Lula, exercendo já o seu segundo mandato, retribuindo a visita do Santo Padre Bento XVI ao Brasil em maio do ano passado, visitou pela primeira vez, no Vaticano, o Papa.

A visita protocolar do governante brasileiro à Santa Sé transcorreu dentro de outras visitas ao governo da Itália e a caminho de uma outra reunião nos Estados Unidos da América.

A novidade desta visita é que, após décadas de estudos e aprofundamentos, foi assinado um Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé. Chegamos anunciando o Evangelho desde 1500 e durante muito tempo foi a Igreja Católica a garantir muitas instituições educacionais, sanitárias e até mesmo de arquivo neste país. Num tempo de “vale tudo” é importante que alguns pontos fiquem claros em nossa caminhada de evangelização.

Este acordo teve a oportunidade de recolher, dentro de um único texto, o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil e foi realizado entre duas entidades soberanas de direito internacional: o Estado Brasileiro e a Santa Sé.

Em si mesmo, o acordo não estabelece nenhuma novidade nas relações bilaterais, apenas coloca junto a legislação que já existe e tem também esclarece alguns pontos que, mesmo estando já definidos pelas leis brasileiras, necessitavam, no entanto, de uma melhor explicitação.

Também não estabelece nenhum privilégio a mais que poderia ser dado à Igreja Católica. Não houve, por isso mesmo, nenhuma discriminação com relação às outras confissões religiosas. Aliás, isso sucede até ao contrário, pois graças a este acordo muitas questões ficam claras para todas as comunidades religiosas. Nesse sentido é um serviço para todos.

Esse acordo tem um preâmbulo e depois 20 capítulos de tamanhos desiguais. É bilíngüe: português e italiano e foi assinado na presença do Presidente Lula pelo nosso ministro das Relações Exteriores, Celso Amorin, e o Secretário para as relações com os Estados do Vaticano, Mons. Dominique Mamberti.

Além do Presidente da República e sua esposa estavam presentes também, entre outros, D. Cláudio Hummes, Prefeito para a Congregação para o Clero; o Núncio Apostólico no Brasil, D. Lorenzo Baldisseri; o membro da nunciatura no Brasil, Mons. Marco Sprizzi, e os ministros e secretários de estado do Brasil, Nelson Jobim, da Defesa, Dilma Rosseff, Luis Dulci, embaixadores e muitas outras autoridades.

Um dos principais pontos deste acordo é a reafirmação da personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas instituições, mas reconhece também o direito de atender aos encarcerados, hospitalizados, o ensino religioso nas escolas, a imunidade tributária e a questão da filantropia, o reconhecimento das decisões do tribunal eclesiástico e dos títulos acadêmicos, o acervo cultural e documental da Igreja, o vínculo especial dos padres e religiosos e equiparados com suas Dioceses e Ordens ou Congregações religiosas, a possibilidade de convidar missionários do exterior para o trabalho no Brasil, o interesse para proporcionar espaço nos locais novos para construir Templos e o reconhecimento da identidade do sacramento da Ordem com relação à Confissão, garantido o segredo do Ofício Sacramental, especialmente o da confissão sacramental.

É um passo importante porque, como dissemos, coloca em um único texto os direitos que foram emanados pela legislação nacional e esclarece outros que estavam implícitos em algum texto, e que agora ficaram claros.

Falta agora apenas a ratificação das nossas Casas Legislativas, como é de praxe em todo tratado internacional, conforme diz a nossa constituição: “compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Está portando nas mãos de nossos deputados e senadores darem o passo seguinte. Seria muito bom que o fizessem ainda neste ano!

Esse texto foi trabalhado tanto pela Nunciatura Apostólica assim como por todos os Ministérios do Brasil interessados em algum ponto do tratado. Não é uma concordata, pois não contempla todos os assuntos, mas somente aqueles que foram acordados. Futuramente, poder-se-á estabelecer novos assuntos a serem acrescentados nesse acordo, conforme previsto no texto.

Neste tempo em que falamos muito da laicidade do Estado de uma maneira incorreta e da liberdade de todos, gostaria de “refletir sobre as palavras recentemente pronunciadas por Nicolas Sarkozy, Presidente da República da França, nação que sempre foi, e continua sendo, maître à penser e ‘porta-bandeira’ do princípio da laicidade do Estado. Cito: «A laicidade não poderia ser a negação do passado. A laicidade não tem o poder de cortar uma nação das suas raízes cristãs. Ela tentou fazê-lo. E não deveria tê-lo feito […], eu acho que uma nação que ignore a herança ética, espiritual e religiosa da sua história comete um crime contra sua cultura […] que impregna tão profundamente nossa maneira de viver e pensar. Arrancar a raiz é perder o significado, é enfraquecer o cimento da identidade nacional, é tornar ainda mais ásperas as relações sociais, que tanta necessidade tem de símbolos de memória. […] É por isso que desejo o advento de uma laicidade positiva, ou seja, uma laicidade que, preservando a liberdade de pensamento, a de crer ou não crer, não veja as religiões como um perigo, mas, pelo contrário, como um trunfo. […] Trata-se de procurar o diálogo com as grandes religiões e ter por princípio facilitar a vida quotidiana das grandes correntes espirituais, ao invés de procurar complicá-las» (Discurso pronunciado em Roma, em 4 de janeiro de 2008).”

Este momento é histórico e importante, mas a necessidade maior é a nossa missão de evangelizar o nosso povo para que como discípulos missionários vivam uma nova vida e construam um mundo mais unido e fraterno onde a Vida esteja presente em todos os nossos atos. Não basta apenas um ordenamento jurídico que é importante para as questões burocráticas, mas sim um entusiasmo sempre mais em nossa missão de cristãos católicos neste chão cheio de desafios!

Dom Orani João Tempesta

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