Em entrevista ao jornalista Silvonei José, o bispo auxiliar de Manaus dom José Albuquerque disse que está muito contente em poder participar do Sínodo para a região Pan-Amazônica, de modo especial porque ele representa a Amazônia. “Nós acreditamos que estamos aqui em nome das comunidades cristãs, nós estamos aqui sendo fieis ao Evangelho de Jesus Cristo e, com certeza, nós iremos incomodar todos aqueles nos quais o Evangelho muitas vezes não penetrou em suas mentalidades e no seu jeito de ser”, disse o bispo. A entrevista, realizada nesta quinta-feira, dia 17, foi publicada na página do Facebook da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Leia a entrevista na íntegra:
Estamos quase terminando o ciclo de trabalho com os círculos menores, os senhores estão concluindo as propostas que depois serão apresentadas no relatório para toda a Assembleia. Que fotografia poderemos falar desses trabalhos?
É um trabalho espetacular! É importante a gente sempre lembrar que estamos aqui dando continuidade a todo um trabalho de escuta. São quase dois anos de intensos trabalhos e neste dia aqui da Assembleia Sinodal, nós temos a preocupação de sermos fieis àquilo que nós debatemos, estudamos, refletimos, então sem dúvida é um trabalho muito bonito, muito bem organizado, está sendo muito bem assessorado e a gente percebe uma participação muito intensa. Nós não estamos nem falando e nem agindo em nosso nome, mas estamos aqui trazendo presente a vida dinâmica de todas essas comunidades que estão nesta vasta Amazônia que para nós tem sempre esse aspecto muito bonito, somos Pan-Amazônia então o nosso coração tem que ser sempre alargado, tem que ser visto sempre a partir desta região que é tão diversa, tão rica e tão complexa, não é fácil a gente tratar de uma região tão pitoresca do nosso planeta.
Que ar você respira lá dentro?
Um ar muito fraterno. Eu enfatizo esse clima muito fraterno de grande respeito, de uma preocupação grande de podermos nos conhecer mais, então é bonito a gente vê essa aproximação que estamos tendo, de nós bispos brasileiros, os outros irmãos bispos brasileiros, dos irmãos bispos dos países que formam a Amazônia, então é um clima de muito respeito, de muito aprendizado e isso é uma experiência inédita. Nós estamos vivendo realmente uma comunhão eclesial, é claro que o Papa tem muito a ver com esse clima de cordialidade, de preocupação, de sempre entender aquilo que está sendo apresentado, então é um tempo muito bonito, de grande comunhão que nos integra e estar aqui no Vaticano para nós nos liga a toda uma história da Igreja que quis ser e quer ser uma presença profética na Amazônia. Que isso seja um sinal para o mundo inteiro!
O Sínodo foi precedido por tantas polêmicas, tantas acusações. Por que tanta coisa, por que tanta dúvida, tantas polêmicas? E depois porque levam um encontro como esse com tanta importância e urgência para um lado negativo?
Nós temos como ponto de partida sempre a pessoa de Jesus Cristo, o seu projeto, a sua prática, então assim como Jesus Cristo enfrentou situações delicadas, difíceis no seu tempo, a Igreja também é claro sendo fiel a este caminho está tocando questões que de algum modo pode ser mal entendida, mal interpretada, mas nós queremos aqui sempre reafirmar a missão da Igreja que é a de estar atenta ao clamor do povo de Deus, de modo especial dos mais fragilizados e o Papa Francisco tem nos ajudado muito a perceber que precisamos ter um olhar atento, de compaixão para com os nossos irmãos indígenas, para os nossos irmãos que estão nos lugares mais distantes, das comunidades ribeirinhas, então nós queremos de algum modo ser de fato uma presença, mas também aprender com eles, porque como nós escutamos desde todo o processo sinodal ninguém cuida melhor da criação que Deus nos deu do que os irmãos indígenas, do que os nossos irmãos que estão nas comunidades mais distantes, então nós estamos diante de tudo aqui para aprender.
Primeiro para aproveitar dessa riqueza que é milenar, então nós estamos também num processo de escuta e de aprendizagem, então aqueles que de algum modo não entendem o processo sinodal precisam se rever, até mesmo porque pode ser uma questão de fé. Nós acreditamos que estamos aqui em nome das comunidades cristãs, nós estamos aqui sendo fieis ao Evangelho de Jesus Cristo e com certeza nós iremos incomodar todos aqueles nos quais o Evangelho muitas vezes não penetrou em sua mentalidades e no seu jeito de ser.
Fala-se que Manaus é a maior aldeia indígena do mundo. Parece que tem mais de trinta mil indígenas vivendo dentro de Manaus. Que realidade é essa?
Manaus é uma cidade fantástica! É a maior cidade do Norte do país, é uma das mais ricas, mas infelizmente também é uma das mais desiguais. A desigualdade que temos em Manaus, nos seus quase dois milhões e meio de habitantes, isso tem que nos levar a refletir como que a Igreja está presente lá sendo também solidária com as diversas etnias daqueles que estão nas cidades, e também Manaus é uma cidade de migrantes, sempre foi assim. Ela nasceu do êxodo de nordestinos e ultimamente do êxito de haitianos e venezuelanos, então é uma cidade de algum modo aberta, acolhedora, solidária.
Temos que constatar que a Igreja sempre se esforçou por meio das suas paróquias, dos seus padres, religiosos, paróquias, das pastorais, de procurar ser uma ajuda fraterna para com esses nossos irmãos, mas é uma cidade muito complexa. É uma cidade que de algum modo a gente precisa conhecer mais, mas ela é apaixonante. Tudo aquilo que está em Manaus nos ajuda a entender que a Igreja é sinodal, a nossa arquidiocese também tem esse caminho como proposta concreta, queremos escutar, queremos caminhar juntos com todos aqueles que querem construir um mundo melhor.
Como é a presença dos indígenas que vem de suas realidades para a cidade?
Neste Sínodo nós temos também a participação de diversos indígenas que são de Manaus e que são também do Amazonas, aqueles que estão nas cidades eles têm uma atuação muito bonita na Pastoral Indigenista, também nos diversos conselhos.
Eu percebo que as Pastorais Indígenas são muito atuantes e a nossa arquidiocese procura ser um apoio, uma ajuda para que o trabalho possa continuar, procurando valorizar a liderança local e também lutar pelos mesmos direitos, pelas mesmas conquistas que deve ser para todos, então os indígenas que estão nas cidades são também os mais pobres, aqueles que vivem na periferia, os que enfrentam a realidade do desemprego, mas nós precisamos aqui perceber de que temos esperança e que estamos aqui para isso, para nos animar, nos renovar nessa esperança e com a certeza de que a Igreja não quer ser omissa e nem muito menos quer se esquecer de que tem a opção muito clara pelos mais pobres, para que haja vocações autóctones, para que haja lideranças nessas comunidades indígenas para que possam também se sentir parte da grande cidade que é Manaus.
Existe uma Pastoral Indígena dentro da arquidiocese?
Existe. Seja na arquidiocese, sejam em nível regional, todas as dioceses de algum modo tem um percentual muito significativo de populações indígenas, de modo especial aquelas que estão nas comunidades do interior, então nós temos um pequeno grupo que juntamente com diversos organismos, dentre eles o Cimi, procura ajudar para que todos possam fazer essa opção, porque a defesa do direito dos indígenas não pode ser apenas das lideranças indígenas, tem que ser de toda a sociedade, de toda a Igreja, então todos nós bispos, padres, agentes de pastoral podemos também assumir essa luta, assumir essa causa, porque afinal de contas essa é a verdade, todos nós somos irmãos, todos nós temos línguas diferentes, culturas diferentes, realidades diferentes, mas todos nós somos irmãos e é isso que o Sínodo vem trazer para a gente.
Nós não podemos dizer que o indígena é alguém que vive a parte. Não! Eles também são chamados a serem brasileiros e serem chamados também a serem cristãos e seguindo a lógica do Evangelho.
O que mais lhe chama a atenção de todos esses trabalhos e que coisa o senhor leva na bagagem quando volta para casa?
O método sinodal. Acredito que nós já temos um caminho enquanto arquidiocese de Manaus, enquanto igreja que está na Amazônia, então o Sínodo vem de algum modo renovar e reforçar de que esse é o caminho. Precisamos sempre estarmos dialogando, escutando a realidade, as pessoas mais sofridas, porque o papel da Igreja é esse, é ser solidária nessas lutas, então que isso também aconteça em nossas dioceses, em nossas paróquias. A missão do bispo, a missão do pároco, a missão do coordenador de pastoral, de comunidade é sempre a de procurar dialogar e caminhar juntos, a gente quando está junto, a gente se sente mais unido e mais fortalecido, então o Sínodo sem dúvida vem trazer um sentido de pertença a Igreja muito forte.
Somos diferentes sim, mas nós temos o mesmo ideal, o ideal de seguir Jesus Cristo, procurando viver a nossa missão hoje, enfrentando os desafios que temos, mas sempre com esse olhar de fé e na certeza de que não estamos sozinhos, nós somos guiados pelo Espírito Santo.