Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

Que a paz do Senhor esteja com todos neste início do Novo Ano civil de 2020. Que o Senhor nos dê a graça de corresponder à sua vontade e seguir pelos seus caminhos. Além da mudança do calendário e de nossas agendas, o início de um novo ano nos recorda que devemos mudar de vida cada vez mais para fazer de cada dia deste novo ano uma oportunidade de fazer o bem, de trilhar pelos caminhos do Senhor. Sempre temos uma nova oportunidade. A experiência de abrirmos nossas agendas e vê-las vazias, nos traz à mente a ideia da responsabilidade que temos de escrever palavras de sabedoria e semear coisas boas a cada dia deste ano. No que depender de nós, que nos com prometamos a fazer de cada dia um dia de paz. Que façamos a nossa parte ao corresponder ao que o Senhor espera de cada um de nós. Que construamos a paz e sejamos instrumentos da fraternidade e da paz.

Estamos no tempo do Natal. No dia 06 de janeiro, celebramos a solenidade da Epifania do Senhor, ou a chamada festa dos reis magos, que por razões pastorais aqui no Brasil celebramos no domingo mais próximo a esta data, para que o povo de Deus possa celebrar solenemente esta grande festa da manifestação de Jesus. Em alguns lugares do mundo, esta festa da epifania é celebrada com mais intensidade até do que o Natal do Senhor, já que nela se celebra a grande manifestação de Deus a todos os povos.  No caso deste ano essa solenidade será celebrada no dia 05 de janeiro.

Essa festa se coloca ainda dentro do tempo do Natal, onde estamos refletindo sobre o grande dom de Deus ao vir habitar por amor no meio de nós, não levando em conta a nossa condição. A festa da Epifania vem nos recordar que Ele veio para todos: universalidade da salvação; vem também nos recordar a responsabilidade, enquanto cristãos, de sermos anunciadores dessa boa notícia a todos. O Senhor que veio para todos nos convida também a anunciarmos a todos esta boa notícia que dá novo sentido à nossa vida, mostrando a toda a humanidade o Amor de Deus.

A Palavra de Deus nos ilumina de várias formas essa universalidade da Salvação, que já estava implícita no Antigo Testamento e manifesta de maneira clara em Jesus Cristo. Jesus nasce em um tempo e em um espaço determinado, mas sua presença é dirigida a todos os homens de todos os tempos e lugares, a todas as nacionalidades.

A Carta de S. Paulo aos Efésios, lida na segunda leitura ( Ef 3,2-3a.5-6): Irmãos: Se ao menos soubésseis da graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito, e como, por revelação, tive conhecimento do mistério. Este mistério, Deus não o fez conhecer aos homens das gerações passadas mas acaba de o revelar agora, pelo Espírito, aos seus santos apóstolos e profetas: os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.

De maneira clara vemos que o Evangelho não é destinado a um grupo seleto, limitado e específico. Todos são destinatários do Evangelho. É mais que importante essa consciência da catolicidade, desta universalidade do Evangelho. Todos têm o direito de conhecer Jesus Cristo e escutar o anúncio do Evangelho que traz esperança de paz aos corações humanos. Os que creem no Cristo tem então esta missão de levar sua boa nova a todos. A festa de hoje é a festa da Universalidade da Salvação. Uma das heresias (erros contra a fé) mais perigosas que estiveram presentes na história da Igreja foram exatamente as que achavam que a salvação era destinada somente a um grupo seleto de escolhidos, como os gnósticos, cátaros e jansenistas, dentre tantos. A Salvação de Cristo é destinada a todos e de todas as épocas.

O Evangelho de Mateus (Mt 2, 1-12), que nos traz o relato da figura dos reis magos, mostra isso com clareza:  Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: ‘Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.’ Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado assim como toda a cidade de Jerusalém. Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: ‘Em Belém, na Judéia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo.’ Então Herodes chamou em segredo os magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. Depois os enviou a Belém, dizendo: ‘Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo.’ Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino. Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande. Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho.

Os magos foram guiados por uma antiga profecia que falava do nascimento do rei dos judeus. Jesus estava sendo esperado pelos judeus, o Messias que viria. Porém, não só os judeus vieram adorá-lo. Os magos vieram do longe para adorar, mostrando aquilo que é a missão da Igreja: comunicar a salvação a todos os povos.

Comentando esta passagem o Papa Francisco em sua Homilia da Missa da Epifania do ano de 2017, assim diz:

“os Magos não se puseram a caminho porque tinham visto a estrela, mas viram a estrela porque se tinham posto a caminho (cf. João Crisóstomo). Mantinham o coração fixo no horizonte, podendo assim ver aquilo que lhes mostrava o céu, porque havia neles um desejo que a tal os impelia: estavam abertos a uma novidade. Os Magos nos dão, assim, o retrato da pessoa que acredita, da pessoa que tem nostalgia de Deus; o retrato de quem sente a falta da sua casa: a pátria celeste. Refletem a imagem de todos os seres humanos que não deixaram, na sua vida, anestesiar o próprio coração. Esta nostalgia santa de Deus brota no coração que acredita, porque sabe que o Evangelho não é um acontecimento do passado, mas do presente. A saudade de Deus permite-nos manter os olhos abertos contra todas as tentativas de restringir e empobrecer a vida. A saudade de Deus é a memória fiel que se rebela contra tantos profetas de desgraça. É esta nostalgia que mantém viva a esperança da comunidade fiel que implora, semana após semana, com estas palavras: Vinde, Senhor Jesus!”

Esse sinal já havia aparecido no Antigo Testamento como vemos na primeira leitura (Is 60,1-6):

Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora. Levanta os olhos ao redor e vê: todos se reuniram e vieram a ti; teus filhos vêm chegando de longe com tuas filhas, carregadas nos braços. Ao vê-los, ficarás radiante, com o coração vibrando e batendo forte, pois com eles virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas nações; será uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te cobrir; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor.

Tenhamos em mente a Catolicidade da Salvação. Ao mesmo tempo, cada um de nós tem a oportunidade de ter ume encontro pessoal com Cristo, encontrar a luz em seu caminho. Assim como os magos encontraram essa luz que levava ao Cristo, assim também a vida de cada um de nós. Cada um tem seu caminho, sua história, suas lutas e suas circunstâncias, mas dentro de cada pessoa, Deus não deixa de mostrar uma luz que indique o caminho até Jesus. E não deixa também de colocar em nosso caminho pessoas que nos ajudem a encontrar o caminho para Jesus. Nessas manifestações de Jesus recordadas e celebradas no Natal, aparece nossa responsabilidade e a graça de que Deus conta conosco. Que grande alegria para nós, já que o Senhor nos faz dignos de estar em sua presença e de servi-lo!

A festa de hoje é também uma grande oportunidade de quando e como foi a primeira vez que esta luz da fé esteve presente em nossas vidas, aproveitando para renovar nosso ardor. A Liturgia, enquanto atualização do mistério celebrado, pergunta-nos sobre como hoje nós nos encontramos com essa Luz de Cristo que surge e orienta nossos caminhos. É necessário estar atentos para perceber a presença de Cristo hoje em nossas vidas e em nossa caminhada.

O Encontro com Cristo é o principal presente que recebemos neste Natal. A universalidade da Salvação e as oportunidades que nos são dadas para que nos encontremos com o Senhor são a grande mensagem desta celebração.

Dentro de poucos dias, no dia 07, estaremos iniciando um grande momento de missão popular na vida de nossa cidade e de nossa arquidiocese, que é a Trezena de São Sebastião, quando a imagem peregrina de nosso padroeiro visita os mais variados ambientes de nossa realidade. Rezemos para que este momento seja uma grande oportunidade para que a luz de Cristo possa chegar ao coração de tantos homens e mulheres que poderão ter essa experiência de fé e devoção. Desde já queremos já convocar a todas as forças vivas de nossa arquidiocese para a celebração de nosso padroeiro, no dia 20 de janeiro.

Que possamos buscar intensamente aquele que é o Deus Conosco, o Senhor dos senhores. Fazendo eco do salmo que diz: as nações de toda a terra, hão de adorar-vos ó Senhor! (Sal 71), que eu e minha casa possamos adorar fervorosamente o Senhor.

 

Tags:

leia também