Dom Dirceu de Oliveira Medeiros
Bispo de Camaçari (BA)
Com o propósito de visitar o Documento Final do Sínodo sobre a Sinodalidade e de nos apropriar dele, faço abaixo algumas considerações. Elas são um aperitivo e poderão nos indicar pistas para a receptio do Documento Final. O Papa acolheu este documento, como texto maduro, abrindo mão da publicação da Exortação Pós-Sinodal. Embora, como afirmou o Santo Padre, o documento não seja um texto normativo, ele possui pistas e iluminações para a vida da Igreja. A primeira parte do Documento, intitulada “O Coração da Sinodalidade”, se dedica a aprofundar o conceito de sinodalidade, ainda considerado um termo equivoco para alguns. No tocante a estrutura do texto, chama a atenção que cada um dos blocos se inicie com um texto bíblico, afinal a Palavra é a fonte que nutre a vida da Igreja.
GRANDES TEMAS
Destaco quatro grandes temas que constituem como que a espinha dorsal do documento. Certamente há outros temas que derivam destes, porém, os quatro são, a meu juízo, como balizas ou parâmetros para uma Igreja que deseja caminhar em Sinodalidade. A saber: conversão dialogal, discernimento (suas etapas), novo conceito de lugar e formação integral.
Os números 52 e 53 abordam a necessidade da Conversão Dialogal. Na esteira de Aparecida que firmou o conceito de Conversão Pastoral, a Assembleia Sinodal lança como que a base antropológica para a vivência do estilo sinodal. Em um mundo onde cresce o individualismo, a fragmentação e a polarização, construir relações de diálogo ad intra e ad extra nos ajuda a viver a sinodalidade sobre a base sólida da estima recíproca que deve reinar entre os sujeitos eclesiais. Pode parecer algo óbvio, mas de fato há muitos processos na Igreja e no mundo que não são levados a cabo em decorrência de entraves humanos. Partindo da igual dignidade de batizados somos chamados a praticar a estima recíproca em conversão dialogal.
A segunda parte dedicada ao Discernimento Eclesial se desdobra em outras três: cuidado com os processos de decisão, o compromisso em prestar contas e a avaliação. Este processo assinala, em vista da missão e em base de corresponsabilidade diferenciada, uma nova dinâmica à vida da Igreja. De modo particular o tema da transparência se destaca sempre harmonizado com o tema da confidencialidade e o respeito à dignidade humana. Vale a pena ler os números 79-80, 82-84
Na terceira parte, intitulada “Uma pesca abundante”, o texto inaugura um novo conceito de lugar. Este conceito, em uma sociedade que vive uma época de mudança, não pode ser entendido somente em termos puramente espaciais ou geográficos. Afinal, a rede de novas relações e as frágeis raízes territoriais nos desafiam a dar outras respostas e ajudarmos a criar vínculos e comunidades, muitas vezes sem a dimensão de lugar geográfico. Neste contexto se insere o tema da cultura digital ou como melhor se expressou, a meu juízo, o relatório de síntese da primeira sessão o Continente Digital. Esse tema nos desafia! Há que descobrir novos lugares de pertencimentos que não sejam necessariamente territoriais ou espaciais. A título de introdução vale ler os números 111 e 113.
Para um estilo renovado de relações eclesiais requer-se uma formação adequada. O fundamento primeiramente se firma na Iniciação à Vida Cristã, mas passa também pelo vínculo com a comunidade, afinal “a plenitude da formação é conformação a Cristo”. A Igreja carece de uma formação que leve em conta as várias dimensões do ser humano. Além disso, precisa promover a valorização dos ambientes e dos recursos dos quais já dispomos. Todas essas dimensões devem ser fecundadas pelo estilo sinodal. Em suma, na Igreja, ninguém é mero destinatário da formação, mas todos são sujeitos ativos e tem algo a oferecer ao outro. Esta é a chave sinodal. O Documento final sinaliza ainda para a necessidade de revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis. Este instrumento deverá incorporar as solicitações amadurecidas no Sínodo. Recomendo a leitura dos números 142, 144 e 148.
Por fim, penso na Assembleia sinodal a partir de uma imagem: uma orquestra. O Espírito Santo produz harmonia, como dizia São Basílio. Testemunhamos essa realidade de modo concreto, num clima orante, de acolhida das riquezas de cada povo, de escuta do sofrimento de tantos irmãos afetados pela guerra e pobreza e, finalmente, por lograr o fortalecimento da unidade da Igreja da qual o Sucessor de Pedro é o garante. Em termos práticos cabe a nós, como Igreja no Brasil, identificar as boas práticas que já temos, descobrirmos os sinais de sinodalidade que já cultivamos no chão de nossa Igreja e perceber onde precisamos avançar sem medo, em clima de corresponsabilidade. Permanece o desafio posto pela Episcopalis Communio, que define o sínodo não como evento, mas como processo e, portanto, nos conclama a implementá-lo. Talvez não seja tanto necessário “fazer coisas novas, mas fazer novas as coisas”. (Sua Beatitude Ibraim Isaac Sidrak, Presidente da Congregação Geral de Encerramento da Assembleia Sinodal)