Dom Jaime Vieira Rocha 
Arcebispo de Natal (RN)

 

No próximo domingo, o 16º do Tempo Comum, o Evangelho da Missa apresenta um episódio da vida de Jesus: a visita à casa dos irmãos Lázaro, Marta e Maria. O Evangelho lido será o de São Lucas, que dá notícias de Marta e Maria no capítulo 10, enquanto São João apresenta os 3 irmãos e a ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11,1-44). São Lucas não menciona Lázaro na visita que Jesus faz à casa de suas irmãs.  

O acontecimento é cheio de significados. Às vezes, interpretado como se quisesse fazer uma oposição entre “ação e contemplação”, como se fossem duas realidades antagônicas. A oposição seria assim: Maria seria a imagem da contemplação e Marta, a da ação. E isso, ainda mais complexo, porque Marta parece receber de Jesus uma advertência: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte esta não lhe será tirada” (Lc 10,42). Mas, a interpretação de oposição fere o significado do relato. De fato, há uma incompreensão da parte de Marta quanto a atitude de sua irmã, Maria, que se põe a escutar o Mestre. E, por isso, Jesus chama a atenção de Marta acerca de que essa é a parte que nunca deve faltar. “Escutar”, não apenas com os ouvidos, mas com o coração. Da escuta, duas atitudes são consequências: amar e obedecer. Escutar o outro é sinal de amor quando o coração está aberto a acolher não apenas palavras, mas o próprio semblante de quem fala. Certamente Maria tinha um coração cheio de amor para com o Mestre ao ouvi-lo. E a resposta de Jesus para Marta indica que Maria estava feliz com a escolha. Papa Francisco nos exorta a “escutar bem”, atitude geradora de vida e salvação: “Jesus convida os seus discípulos a verificar a qualidade da sua escuta. ‘Vede, pois, como ouvis’ (Lc 8, 18): faz-lhes esta exortação depois de ter contado a parábola do semeador, sugerindo assim que não basta ouvir, é preciso fazê-lo bem. Só quem acolhe a Palavra com o coração ‘bom e virtuoso’ e a guarda fielmente é que produz frutos de vida e salvação” (FRANCISCO. Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais. 24 de janeiro de 2022). 

A escuta leva à obediência. Aqui a interpretação parte da etimologia da palavra: obedecer vem do latim “ob-audire”, escuta de. É claro que nascendo da escuta a obediência não tem nada de arbitrário. E, sobretudo, quando se ama. A obediência à Palavra de Deus leva-nos sempre ao reconhecimento de que essa Palavra gera vira, traz alegria, conforta e dinamiza para a vivência do Evangelho. Assim, obedecer aproxima-se de amar. Sendo a “melhor parte”, escutar será sempre escuta da proposta de amor da parte do Senhor. Mas, atenção: amar e obedecer levam sempre ao serviço. A contemplação ilumina a ação. O que escutamos, ouvimos, anunciamos. E tal anúncio não se limita a palavras, mas se encarna na vida, gera comunhão (cf. 1Jo 1,1-3).  E a comunhão só se firma se é alicerçada no amor.  

Talvez seja preciso esclarecer mais ainda: quando falamos de “contemplação e ação”, somos levados a pensar em oração e atividades. Esta certo isso. Mas é preciso ter em mente que as duas realidades não se opõem nem se excluem. “Ora et labora”, assim afirma o moto dos beneditinos. Contemplar para agir, agir e contemplar. Escutar o Mestre e trabalhar pelo seu Reino. É possível ainda outra reflexão dentro desse binômio: amar e obedecer levam-nos a acolher. Marta recebe Jesus em sua casa. É uma acolhida fecunda. Jesus ensina a Maria, Jesus ensina a Marta. Todos aprendem quando acolhemos Jesus em nossa casa, em nosso coração. É preciso, pois, estar abertos para acolher, escutar, amar e obedecer.  

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