Comentamos neste espaço, na semana passada, a tragédia do menino João Roberto, assassinado pela polícia, que em alta velocidade perseguia criminosos que fugiam. Criança de três anos, sentada no banco de trás do carro da mãe, foi atingida por vários tiros das armas dos que têm o dever de ser os defensores da população. A revolta foi tão forte e intensa que as autoridades responsáveis resolveram reciclar os agentes policiais. Se eram bandidos os que a Polícia perseguia, como se mata menino inocente de três anos?

Qual não foi de novo nosso espanto, quando os jornais de sábado e domingo desta semana nos traumatizaram de novo com a morte de uma menina de nove anos – Maria Eduarda – atingida no tórax e na cabeça num entrevero entre a polícia e um grupo de adolescentes assaltantes. Não adiantou o tio da menina sair do carro para pedir que cessassem de atirar por haver crianças no carro. Isto, desta vez, não foi no Rio, mas em Recife.

Todos sabemos que a violência hoje grassa por toda parte. Cidades pequenas e médias desconheciam este clima de assaltos e crimes que hoje nos assustam. Mesmo em cidades maiores não eram tão comuns estes assaltos e crimes hoje corriqueiros.

Permitam-me lembrar os primeiros anos de meu sacerdócio em São Paulo. Morava no sótão da Igreja, coadjutor que eu era de velho sacerdote, este com a função de pároco. Tínhamos oito ou nove hospitais no território da paróquia naquele tempo. À noite não eram raros os chamados para doentes terminais. Carro ainda a paróquia não possuía. Ao ser chamado, saia a pé, sozinho, para o atendimento dos enfermos, fosse da maternidade da Rua Frei Caneca, fosse do hospital Nove de Julho da Rua Peixoto Gomide ou do São Geraldo, lá no fim da ladeira. Nunca sofri nenhum assalto nem susto algum nos dois anos que ali estive.

Mas depois, mais tarde, morando em Perdizes, certa vez fui chamado ao Hospital Samaritano em Higienópolis. Era noite. Ao voltar a pé pelo Pacaembu, fui surpreendido pelo amigo Dr. Mário Altenfelder que passava de carro e me levou, morro acima, para a Rua Monte Alegre, nas Perdizes, recomendando-me que não saísse à noite sozinho, pois São Paulo começava já a representar algum perigo, não porém como agora.

Perguntamo-nos o que fazer? Respondo: tem a sociedade de voltar a ser fraterna e pacífica, o que só se conseguirá com a formação do sentido de fraternidade, de colaboração e de amor, para não sermos hoje o que o ditado romano lembrava: “Homo homini lupus” – O homem é lobo para o outro homem.

Dom Benedicto de Ulhôa Vieira

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