Direitos humanos: sessenta anos

Antecipo neste artigo parte das reflexões que devo propor, por ocasião da Semana comemorativa dos sessenta anos da Declaração dos Direitos Humanos, aos estudantes da UNISO. Valho-me para tanto da reflexão proposta por Sua Santidade, o Papa Bento XVI, em recente discurso na sede da ONU, aos 18.04.2008. A primeira observação a ser feita é a de que, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, os direitos humanos se tornaram “cada vez mais presentes como linguagem comum e substrato ético das relações internacionais”. O fundamento dos direitos humanos está na dignidade inviolável da pessoa. A consciência desta dignidade é fruto de um longo caminho feito pela humanidade e tem indubitavelmente nas tradições religiosas da humanidade, em especial na revelação cristã, sua fonte. É o que afirmou o Santo Padre, na referida conferência: “o documento da ONU foi o resultado de uma convergência de tradições religiosas e culturais, todas motivadas pelo comum desejo de colocar a pessoa humana no centro das instituições, leis e intervenções da sociedade, e de considerar a pessoa humana essencial para o mundo da cultura, da religião e da ciência”.

A revelação cristã nos leva a afirmar que “os direitos reconhecidos e traçados na Declaração se aplicam a todos em virtude da comum origem da pessoa, a qual permanece o ponto de referência mais alto do desígnio criador de Deus para o mundo e para a história”. A dignidade da pessoa deriva de sua origem divina e da compreensão revelada de que a pessoa humana é imagem e semelhança de Deus. A contribuição maior, entretanto, do cristianismo para a afirmação da dignidade da pessoa humana, reside na fé no mistério da encarnação, segundo a qual o Verbo, Deus mesmo na pessoa do Filho, se fez homem. O Concílio Vat. II assim se exprime a respeito: “porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana), amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado”(GS 22). É de tal maneira estreita a solidariedade de Cristo com os seres humanos que Ele mesmo tomará, no Juizo Final, como feito a Ele aquilo que se faz ao outro: “tive fome e me destes de comer”ou “não me destes de comer”(cf. Mat 25, 35ss.). A segunda observação a ser feita é que os direitos humanos derivam da lei inscrita por Deus nos corações: “tais direitos estão baseados na lei natural inscrita no coração do homem e presente nas diversas culturas e civilizações”. É ensinamento da revelação bíblica que a razão humana pode conhecer a Deus bem como reconhecer sua voz, sua lei, no interior de sua própria consciência (cf Rom 1, 19-22 e 2,13-16.). São Paulo afirma que os gentios – não judeus – que não possuíam a revelação vétero-testamentária trazem “a obra da lei gravada em seus corações”(Rom 2,15).

A consequência desta afirmação é que a extensão e a universalidade desses direitos não podem mudar com o tempo: “remover os direitos humanos deste contexto significaria limitar o seu âmbito e ceder a uma concepção relativista, segundo a qual o significado e a interpretação dos direitos poderiam variar e sua universalidade seria negada em nome de contextos culturais, políticos, sociais e até religiosos diferentes. Contudo não se deve permitir que esta ampla variedade de pontos de vista obscureça o fato de que não só os direitos são universais, mas também o é a pessoa humana, sujeito destes direitos”. A visão cristã, pois, está certa de que existe uma lei divina, inscrita na própria natureza do ser humano, e de que os direitos humanos têm sua fonte no próprio Deus. “O mérito da Declaração Universal consiste em ter permitido que diferentes culturas, expressões jurídicas e modelos institucionais convirjam em volta de um núcleo fundamental de valores e, portanto, de direitos”. Esse núcleo fundamental atesta aquilo que a visão cristã tem como revelado: a natureza humana, não obstante a diversidade de culturas é fundamentalmente a mesma em todas as épocas e em todas as culturas.

O ser humano tem inscrito em seu coração a lei de Deus cuja desobediência conduz à morte. Os valores fundamentais da vida humana, portanto, não são mera criação inteligente do ser humano para tornar possível e segura a vida em sociedade: uma acomodação dos egoísmos. Há valores que devem ser procurados para além de sua utilidade ou conveniência, são valores perenes. As leis humanas não podem contrariar esses valores. A autêntica vivência religiosa, em especial a experiência cristã, dá um sentido novo e profundo ao cuidado com os direitos humanos: “o que fizestes ao menor dos meus a mim o fizestes”(Mt 25,40).

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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