Creio na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará 

Confessamos a fé cristã, que nos indica a perspectiva de uma vida que não tem fim, na eternidade, plena comunhão com a Santíssima Trindade, a Virgem Maria, os anjos e os santos. Temos confiança de que experimentaremos a plenitude da felicidade, para a qual fomos criados, pelo amor misericordioso de Deus. Com frequência, no contato com pessoas que se aproximam do limiar de sua entrada na eternidade, tenho recebido de Deus a graça de anunciar-lhes estes valores perenes, ajudando-as a superar o receio, aliás, muito natural, diante do mistério da morte. Ao dar os Sacramentos da Penitência e Unção dos Enfermos, ouvi fiéis surpreendidos pela linguagem carregada de alegria e otimismo, com que a Igreja efetivamente celebra o mistério do Cristo Morto e Ressuscitado, também em tais circunstâncias críticas e ao mesmo tempo carregadas de sentido. Foram muitas as ocasiões em que apliquei a pessoas que estavam no fim de sua caminhada da terra as palavras do Apocalipse: “Ouvi, então, uma voz vinda do céu, que dizia: “Escreve: Ditosos os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que eles descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham (Ao 14,13).” É magnífico vê-los, após os chamados sacramentos medicinais ou de cura, receberem Jesus Eucaristia, algumas vezes como viático, alimento de vida eterna, para se aproximarem do Senhor, em sua Páscoa pessoal!

É com este mesmo espírito de confiança que a Igreja celebra, no início do mês de novembro, a Solenidade de todos os Santos, nossa vocação e meta a ser alcançada, e a Comemoração de todos os Fiéis falecidos. Nossa visita aos cemitérios, nos dias que se aproximam, pode ser uma bela oportunidade para corajosa profissão de fé, quando estivermos diante nas sepulturas, nas quais repousam apenas restos mortais dos nossos entes queridos, com a certeza de que eles e elas já não se encontram ali, pois, apenas soada a trombeta do Anjo da Morte, que os chamou, apresentaram-se diante do Senhor, para dar contas da linda aventura da vida terrena, entendida como um caminho para a eternidade, pois “está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento” (Hb 9, 27).

A Igreja põe em nossa boca expressões altamente comprometedoras: “Creio em Deus Pai, todo poderoso, Criador do céu e da terra e em Jesus Cristo seu único filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu a mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai, todo poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém”.

Deus é Pai, pode tudo, é o Criador! O Universo não é obra do acaso, mas pensado por Ele, desde a eternidade com inteligência e amor, finalizado à plena realização de seus filhos e filhas. Seu poder não é despótico ou autoritário, mas amoroso e harmônico, de modo que todas as criaturas, voltando-se para Ele, encontram continuamente seu equilíbrio interior e o justo relacionamento umas com as outras. Contemplar luz e escuridão, sorriso ou choro, morte e vida, tudo encontra seu lugar quando se vê do ângulo do último dia da criação, quando Ele mesmo se encantou com a obra feita: tudo é muito bom! Acreditar em Deus Criador, saber que não estamos jogados e perdidos! Quem começa com este risco da fé vislumbra o sentido da existência!

O mundo não foi deixado ao léu, mas acompanhado e sustentado com amor por quem o criou. Muitas vezes, na história que chamamos “da salvação”, Deus ofereceu aliança aos homens e mulheres. Sinalizou as veredas da felicidade, enviou seus profetas, formou seu povo, como um pai que educa seus filhos. Se tantas vezes não foram capazes de escutá-lo, seu amor nunca esmoreceu. A plenitude dos tempos, com a maturidade da história humana nesta terra, irrompeu como dom do amor de Deus, quando enviou seu Filho amado, concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria. É tão bom e bonito viver nesta terra, que Deus quis assumir uma carne como a nossa, desejou percorrer os mesmos caminhos de dores e angústias, esperanças e alegrias, menos o pecado. E Jesus, filho amado, foi até o mais profundo dos abismos da existência humana. Tocou com suas mãos todas as etapas da vida humana, dos primeiros vagidos de recém-nascido até o grito do abandono, no alto da Cruz, para que nenhum clamor fique sem sentido. Nele e por Ele, tudo encontra seu rumo de passagem para a vida que não tem fim. Em sua morte nós fomos resgatados, para ressuscitar com Ele. A dor da morte, que nos assombra com ares de absurdo, na fé pode ser superada e já está superada, Só que é necessário arriscar-se no salto da fé para entender esta estupenda realidade! O Espírito Santo de Deus venha em auxílio de nossa fraqueza para dizermos “creio”.

Percorridas estas etapas altamente realizadoras para a existência humana na terra, podemos proclamar a corresponsabilidade chamada “Comunhão dos Santos”. Ninguém caminha sozinho e tudo o que fazemos pode contribuir para o bem dos outros! A própria sombra da morte pode ser iluminada pelo amor mútuo, experimentado na presença solidária dos irmãos e irmãs. Apoio, consolo, oração, gestos, tudo o que muitos velórios e enterros cristãos já testemunharam. É uma das Obras de Misericórdia.

E o Credo continua com “Remissão dos pecados”. Como Deus não nos fez para o pecado, e cristão que se preze não se acomoda com o pecado, mas acredita que só em Cristo e na força de sua Morte e Ressurreição se encontra o perdão, e sabe ser destinado à salvação. Vale insistir na verdade a respeito do encontro definitivo com o Senhor, quando a morte chegar. É honestidade anunciar a uma pessoa que viveu seriamente o cristianismo que a “sua hora” chegou, e convidá-la a preparar-se bem. Medo, ousadia, precipitação? Nada disso! Realismo e certeza, esperança da salvação. Uno-me a muitas pessoas que assim me ensinaram. Desejo abraçar a hora de Deus, quando, onde e como chegar, como fruto de seu amor misericordioso, que sabe quando estaremos prontos.

Somos destinados à ressurreição. Cristo ressuscitou de verdade e nos garante que com Ele ressuscitaremos. “Creio na Ressurreição da carne”. A morte, a inevitável irmã morte corporal, como a chamou São Francisco de Assis, é passagem, não a última e definitiva palavra. Desejamos uma morte santa e feliz, desejamos ter mãos limpas e puro o coração quando chegar a hora. Não é em vão que pedimos, na Ave Maria, que Nossa Senhora, Mãe de Deus e nossa, rogue por nós agora e na hora de nossa morte, os dois momentos de que temos certeza, de hoje até a eternidade.

E com o Credo chegamos à “Vida eterna”. Nela acreditamos, como cristãos, para ela caminhamos, almejamos os seus valores e sabemos que começa agora. De fato, como se expressou o Senhor na Oração Sacerdotal, “esta é a vida eterna: que conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que enviaste” (Jo 17, 3). Começa com a fé, adesão a Jesus Cristo, como a qualidade de vida e santidade que Deus deseja para todos e se prolongará para sempre.

Boa festa de todos os Santos para todos! Piedosa celebração dos Fiéis falecidos e uma excelente preparação para uma boa e santa morte, no dia marcado pelo amor infinito de Deus por nós!

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