Dom Genival Saraiva

Bispo de Palmares – PE

O livro do Gênesis, referindo-se à criação do homem e da mulher, situa sua condição perante Deus e perante toda a criação. A Revelação divina, ao tratar dessas relações, explicitou, através dos Mandamentos da Lei de Deus, que o ser humano se relaciona com Deus e com seus semelhantes. O traço fundamental que rege as relações entre Deus e suas criaturas é o amor. Na verdade, Deus criou tudo por amor gratuito. Jesus ensina que o conteúdo dos 10 Mandamentos tem duas faces: o amor a Deus e o amor ao próximo: “ ‘Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. Ora o segundo lhe é semelhante: ‘Amarás teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos.” (Mt 22,37-40) São João, como fruto de sua convivência com Jesus e de sua vivência de evangelizador, vai sintetizar essa realidade, no seu ministério apostólico, numa expressão simples, na sua formulação, e densa, no seu significado: “Deus é amor”. (1Jo, 4,16)

Santo Agostinho ensina, em suas pregações: “Esses dois preceitos devem ser sempre lembrados, meditados, conservados na memória, praticados, cumpridos. O amor de Deus ocupa o primeiro lugar na ordem dos preceitos, mas o amor do próximo ocupa o primeiro lugar na ordem da execução. Pois, quem te deu esse duplo preceito do amor não podia ordenar-te amar primeiro ao próximo e depois a Deus, mas primeiramente a Deus e depois ao próximo. Entretanto, tu que ainda não vês a Deus, merecerás vê-lo se amas o próximo; amando-o, purificas teu olhar para veres a Deus, como afirma expressamente São João: ‘Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê (1Jo 4,20). (…) Ama, pois, o teu próximo e procura no teu íntimo a origem deste amor: lá verás a Deus o quanto agora te é possível.”

Como ensina a Sagrada Escritura, o amor, porque emana de Deus, tem a face divina; por isso, a Bíblia fala do amor de Deus para com a humanidade e da necessidade do amor a Deus, por parte dos seres humanos. Conforme o pensamento de Santo Agostinho, a face humana do amor “ocupa o primeiro lugar na ordem da execução” porque, como escreve São João, “Se alguém disser: ‘Amo a Deus”, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão.” (1Jo 4, 20-21).

Dessa maneira, a visibilidade do amor a Deus torna-se realidade quando se efetiva nas relações humanas. Claramente, se entende que esse amor, na sua fonte e na sua destinação, não tem a linguagem abstrata de uma literatura de poetas e cancioneiros, porque tanto “a ordem dos preceitos” quanto “a ordem da execução” ocupam “o primeiro lugar”, na respectiva natureza do amor a Deus e ao próximo. Conforme Santo Agostinho, o amor das pessoas aos seus semelhantes é o caminho que leva a Deus: “Amando o próximo e cuidando dele, vais percorrendo o teu caminho. E para onde caminhas senão para o senhor Deus, para aquele que devemos amar de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de toda a nossa mente? É certo que ainda não chegamos até junto do Senhor, mas já temos conosco o próximo. Ajuda, portanto, aquele que tens ao lado enquanto caminhas neste mundo, e chegarás até junto daquele com quem desejas permanecer para sempre.”

O próximo está perto de seus semelhantes pelo laço do parentesco, pelo vínculo espiritual, pelo sentimento solidário e pela caridade fraterna. No dia a dia, comumente, as necessidades do próximo, expressas em gritos sofridos, nem sempre são ouvidas, e suas angústias silenciosas, muitas vezes, são intencionalmente despercebidas. Quem assim age, pode dizer que “ama a Deus, a quem não vê”?

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