Dom Genival Saraiva
Bispo de Palmares – PE
A fé é virtude dos peregrinos e, portanto, faz parte de sua existência temporal; é combustível que dá energia à vida dos transeuntes, em sua caminhada terrestre. Por sua natureza religiosa, esta virtude alimenta a vida espiritual das pessoas; como qualidade humana, anima a condição de todos que convivem, solidariamente, com seus semelhantes. São Paulo ensina que, ao cuidarem de suas suas relações com Deus, os cristãos necessitam das virtudes teologais – fé, esperança e caridade; na eternidade, não mais precisarão da fé e da esperança; a caridade, porém, assume o grau de perfeição, na sua vida, na contemplação de Deus.
A relação entre a pessoa humana e Deus se estabelece de muitas formas, mas nem todas se manifestam como um ato de fé. Nesse sentido, Werner Heisenberg, físico nuclear, afirmou: “ O primeiro gole de um copo das ciências da natureza faz-nos ateístas – mas no final do copo espera-nos Deus.” O cientista reconhece os avanços da capacidade de investigação humana e, ao mesmo tempo, os limites da conquista científica; com efeito, em muitos casos, pensa o homem que lhe basta a conquista do saber; todavia, por mais elevado e profundo que seja o grau de seus conhecimentos, ele haverá de constatar os seus limites; se tiver aquela “postura humilde”, de que fala Paulo Freire, chegará à mesma conclusão do Prêmio Nobel – “no final do copo espera-nos Deus.” Este cientista não faz um declarado ato de fé Deus, mas reconhece que Deus fala à inteligência humana através daquilo que é objeto das “ciências da natureza”.
A Sagrada Escritura é o livro daqueles que creem; por isso, quem lê a Palavra de Deus, iluminado pela fé, compreende o seu significado e pratica os seus ensinamentos. Todavia, o autor do Eclesiástico e o Salmista, além do reconhecimento da ação de Deus, através da Revelação, também o encontram na ordem criada e apontam esse caminho para aqueles que contemplam o mundo da natureza. “Quem pode contar a areia do mar, as gotas de chuva, os dias do tempo? Quem poderá medir a altura do céu, a extensão da terra, a profundeza do abismo? (…) Só um é o altíssimo, criador onipotente, rei poderoso e a quem muito se deve temer, assentado em seu trono e dominando tudo, Deus.” (Eclo 1, 2-3. 8) Por sua vez, reza o Salmista: “O Senhor reina, de esplendor se reveste, o Senhor se reveste e se cinge de poder; está firme o mundo, jamais será abalado.” (Sl 93,1) A Revelação, transmitida pela Sagrada Escritura e afirmada pela Tradição, exige dos crentes, judeus e cristãos, uma fé explícita em Deus, enquanto o campo das “ciências da natureza” leva a uma implícita manifestação de fé, por parte de quem o investiga, honestamente, crente ou não temente a Deus.
As relações humanas também contêm uma dimensão de fé. São Tiago tinha muita clareza, a esse respeito, ao afirmar que “a fé: se não se traduz em ações, por si só está morta.” (Tg 2,17) O apóstolo quer enfatizar essa face operativa da virtude da fé, na vida dos caminhantes; se assim não fosse, a fé teria um caráter puramente abstrato e, consequentemente, não moveria a pessoa para unir-se aos seus semelhantes e muito menos a Deus; São João adverte que “quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê.” (1Jo 4,20)
Uma fé genuína em Deus, necessariamente, suscita naqueles que nele creem uma fé solidária, em relação aos seus semelhantes, no cotidiano de sua vida e em situações excepcionais, como a que vive a população atingida pela catástrofe de inundações, deslizamentos e desmoronamentos, em municípios cariocas. Em qualquer situação, é preciso que os cristãos tenham essa certeza: “Nada vos faltará, se tiverdes em Jesus Cristo perfeita fé e caridade, que são o princípio e o termo da vida: o princípio é a fé; a caridade, o termo. As duas, bem unidas, são o próprio Deus; tudo o mais que pertença à perfeição humana lhes está ligado.”