Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros
A Igreja no Brasil vive intensamente o tempo quaresmal. As comunidades já esperam esse tempo em que se realiza a Campanha da Fraternidade. Desde 1964, esse dispositivo pastoral proporciona forte impulso evangelizador e desperta os membros da Igreja no Brasil para a vivência da fraternidade, em sintonia com o mandamento de Jesus, o amor ao próximo. No coração de muitos fiéis ressoam campanhas passadas que deixaram marcas tão positivas no seio das comunidades. Três exemplos para recordar: 1985 – Pão para quem tem fome; 1994 – A família, como vai?; 2001 – Vida sim, drogas não! A Campanha da Fraternidade é um recurso pastoral tão rico que o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs – CONIC – realizou algumas campanhas em comunhão com a Igreja Católica.
Toda campanha supõe a mobilização ao redor de um objetivo, por tempo determinado. Nesse caso, o tempo é a quaresma, período de oportuno chamado à conversão pessoal. O objetivo geral da Campanha da Fraternidade de 2019 é estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de fraternidade.
Alguns poderiam estranhar que no tempo de preparação para Páscoa a Igreja no Brasil proponha um tema como esse. Ora, existe uma profunda relação entre viver a fraternidade e construir uma sociedade justa e fraterna. A Páscoa de Jesus nos compromete no anúncio de novo céu e nova terra, da vitória da vida sobre a morte, da liberdade sobre qualquer forma de escravidão. Os cristãos poderiam se dispensar do compromisso de apresentar às pessoas o ideal da justiça evangélica? Inspirados na palavra do profeta Isaías, queremos proclamar: Serás libertado pelo direito e pela justiça (Is 1,27).
A Campanha da Fraternidade não faz sombra ao sentido da quaresma. Antes, potencializa o apelo à conversão, ao identificar realidades pessoais e sociais que precisam ser iluminadas pelo Evangelho. Com certeza, todo debate sobre Políticas Públicas é um debate sobre a fraternidade. As Políticas Públicas são ações e programas desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que estão previstos na Constituição Federal e em outras leis. O fiel que, na abertura da quaresma, se inclina para receber as cinzas precisa rever seu compromisso com a lealdade, com a justiça, com o próximo. E deverá erguer a cabeça para dialogar, compreender e descobrir ações que estão ao seu alcance para a construção de uma sociedade em que os mais necessitados sejam atendidos com prioridade.
Papa Francisco nos diz que “a quaresma é o tempo favorável para os cristãos saírem da própria alienação existencial”. Sair da alienação significa passar por um processo de conversão e abrir-se para a vivência da fé nas suas dimensões pessoal, eclesial e social. O risco de uma fé alienada é real. E os apelos da palavra de Deus no tempo quaresmal são um despertar para o compromisso com Aquele que nos amou e por nós se entregou ao Pai. Que a quaresma seja um tempo de vida nova na fé em Jesus Cristo e tenha como consequência pessoal um novo estilo de cidadania, em que cada um se comprometa a oferecer sua parte na edificação de uma sociedade inspirada no cuidado de Jesus para com os mais pobres e com todos aqueles que vivem à margem da sociedade.