Re significando o Treze de maio
Treze de maio: uma conquista de longos anos.
O treze de maio não deve ser comemorado apenas como uma data que lembra uma princesa toda compadecida da situação do povo negro escravo, assinando a lei da abolição da escravatura.
Muitos historiadores vêem a abolição como resultado de uma forte pressão dos ingleses que queriam aumentar o mercado consumidor dentro do Brasil através do trabalho assalariado e assim poderem aumentar suas vendas. Um país industrializado como a Inglaterra não podia deixar escapar nenhuma possibilidade de comercializar seus produtos, portanto, o escravismo representava um empecilho para tal objetivo.
Outro fator que os historiadores dão muita ênfase é a pressão internacional para que fosse abolida a escravidão, já que o Brasil era o último país da América que mantinha essa vergonha social, que ia contra os ideais da Revolução Francesa, tão difundidos em nosso continente, cujo lema era: liberdade, igualdade e fraternidade. Há uma tendência por parte desses autores de não enfatizar a participação dos negros no processo de construção do fato foi a libertação dos escravos. Vale lembrar que a resistência desse povo foi constante durante todo o período, resistência esta que resultou em diversas lutas e organizações. Para citar algumas, vamos lembrar da Conjuração Baiana e a Balaiada.
A Conjuração Baiana, ocorreu na Bahia com uma forte inspiração na Declaração do Código do Direito do “Homem e do Cidadão” elaborado na Revolução Francesa. Caracterizou-se pelo destacado conteúdo social. Incluía uma grande participação de negros forros e também escravos. Havia muitos interesses em jogo, mas a participação dos negros foi fundamental para que o movimento se tornasse forte o suficiente para levar seus integrantes a acreditar na vitória. Os revolucionários baianos ousaram defender a igualdade de raça e de cor, o fim da escravidão e a abolição de todos os privilégios.
Na Revolta da Balaiada, a classe dominante de tendência liberal iniciou o movimento, mas logo as classes populares assumiram o controle da situação. Líderes populares foram projetados como Manuel Francisco, o vaqueiro Raimundo Gomes e o chefe de um quilombo chamado “Preto Cosme”. Adotando táticas de guerrilha, os balaios chegaram a ocupar Caxias, a segunda cidade do Maranhão, mas o movimento foi desfeito pelo Duque de Caxias um comandante militar do poder central.
Entre as lutas pela liberdade, a formação de quilombos pode ser considerada como a mais eficiente porque na maioria das vezes deu certo. Ainda hoje existem milhares de remanescentes de quilombos espalhados por todo o Brasil. O Quilombo de Palmares apesar de ser o mais importante, não pôde ir adiante, mas durou cerca de 50 anos. A sua destruição se deu pelo fato de estar situado em uma região próxima do litoral, local em que se estabelecia a “nata” da sociedade: os senhores de engenhos e a máquina repressora da classe dominante.
Em Palmares, ao contrário do que diziam as autoridades, não era um simples reduto de bandidos e salteadores. Trabalhavam comunitariamente, e em muitos casos, mantiveram relações comerciais com comunidades vizinhas onde o respeito era mútuo. O Estado de Palmares caminhou para uma estrutura centralizada quando os chefes das comunidades aclamaram Ganga-Zumba que queria dizer grande chefe, como uma espécie de coordenador geral daquela nação. Para tomar decisões, Zumbi tinha que ouvir um conselho composto por chefes comunitários. Praticava-se naquela comunidade, uma democracia que nós brasileiros ainda não conhecemos. A economia se assentava na propriedade social dos meios de produção, com as famílias recebendo terra em usufruto e entregando parte da produção para ser usada por toda a comunidade, com o fim de equalizar as condições sociais e econômicas das dos seus integrantes. As mulheres tinham um papel importante naquela sociedade, pelo fato delas desempenhar um papel fundamental na organização do trabalho e na vida social. Praticamente não havia diferença de gênero.
Curiosamente, o sonho de liberdade integral foi vivido pelos palmarinos. Não se admitia entre eles a reprodução da sociedade colonial, tudo caminhava na contramão da História, como uma experiência de um verdadeiro êxodo, até mesmo pela semelhança com a experiência do povo de Israel quando deixa o Egito e se estabelece na terra prometida e promovem uma organização social com base em um sistema igualitário em aproximadamente um período de 200 anos.
Às vésperas da abolição a resistência do povo negro frente à escravidão recrudesceu de uma maneira tão avassaladora que não havia mais nenhuma possibilidade de continuar com o cativeiro. Novos quilombos se formavam todos os dias, enfrentamento como aprisionamento dos feitores, fugas em massa, sem contar a forte atuação do movimento abolicionista que contava com a participação importante do negro José Bonifácio, um intelectual que colocou seus conhecimentos a favor da lutas pela libertação dos escravos.
A espiritualidade do povo negro conservada principalmente nos terreiros de candomblé, o levou a conservar o espírito de luta pela vida e a alegria de viver frente à dura realidade em que vivia. O nosso Deus é o Deus da libertação e tem a liberdade como elemento imprescindível na vida do ser humano, portanto, a força desse povo se faz presente com a presença do Deus da vida em abundância para todos.
Foi nessas circunstâncias que a Princesa Isabel, querendo ou não, assinou a Lei Área abolindo a escravidão. Boa parte da elite não era favorável à assinatura. Esse comportamento da elite não favoreceu que a Lei fosse acompanhada de conquistas sociais que permitissem aos negros , condições para ter uma liberdade plena.
Tendo em vista a situação desse povo tão digno de admiração nos dias de hoje, chegamos à conclusão de que a libertação não está concluída. Precisamos assumir o nosso compromisso de fé e de profetismo para enfrentar os inúmeros problemas que existem em relação à negritude. Os negros, mesmo depois da abolição foram impedidos de assumir sua identidade, sua espiritualidade, enfim, sua negritude.
O Documento de Santo Domingo, em sua Mensagem aos Afroamericanos, n.03, anima a comunidade negra quando diz que “a fidelidade das comunidades negra à sua identidade e ao seu patrimônio espiritual é algo que a Igreja não só respeita, mas encoraja e quer fomentar”.
Todos somos convidados a contribuir com esse processo de busca pela libertação em parte conquistada com o esforço de muitos, mas que ainda se encontra como desafio a todas as pessoas , a todas as raças e etnias.
Professor Valdir Nunes