Não havia lugar para eles na hospedaria

Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros (MG)

 

Quando nossos olhos contemplam um presépio e veem uma pequena manjedoura com o menino Jesus ao lado de seus pais, Maria e José, rodeado de animais se entende que aquele casal teve seu filho naquele lugar, provavelmente uma estrebaria. Mas, pode nos escapar que a razão principal para que isso acontecesse foi a dificuldade de encontrar um lugar mais familiar, um abrigo de uma casa para que Maria, grávida no nono mês, desse à luz seu filho. O evangelista Lucas escreve: “Quando estavam ali, completaram-se os dias de ela dar à luz. Ela deu à luz o seu filho, o primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,6-7).

Muito se poderia conjecturar sobre o motivo de José não ter encontrado um lugar melhor para o nascimento de Jesus. Todavia, a maravilha do anúncio do natal do Senhor e a beleza dos presépios não nos deveria fazer esquecer que a manjedoura, onde repousa o menino Deus, não deixa de ser uma denúncia de um modo de vida em que a solidariedade parece não contar. Como não se indignar diante do fato de que uma mulher grávida, que está para ter seu filho, não encontre uma casa ou hospedaria de portas abertas? O Filho de Deus, que se fez pobre, entra na história com a marca dos rejeitados. Não foi o primeiro e, infelizmente, nem o último. Essa cena se repete cotidianamente e de muitos modos. Como não havia lugar para eles na hospedaria, hoje não há lugar para eles nos hospitais, nas creches, nas escolas… não têm casa e não há lugar para eles à mesa.

Somos uma sociedade cristã nas aparências. Somos capazes de celebrar o Natal em nossas Igrejas e, tão logo, ao voltarmos para nossas casas sequer olhar para os pobres que estão nas calçadas ou nas portas de nossas Igrejas. Nossos corações não podem se anestesiar e enfraquecer a sensibilidade humana e social. Ora, diante do presépio devemos nos indignar que faltem outros lugares para as crianças. Por exemplo, faltam lugares para as crianças nas creches e nas escolas. Paradoxalmente, as portas que podem se abrir para abrigar encontram-se fechadas. Já as portas que são para trancar se abrem com facilidade para amontoar os encarcerados.

Em nossas cidades cresce, assustadoramente, o número de pedintes e de pessoas em situação de rua. Com fome, sem casa, sem trabalho e sem perspectivas de vida são vítimas da desigualdade social que os priva de oportunidades. As políticas públicas fazem diferença, mas ainda são muito frágeis. Carecemos de uma cultura da solidariedade humana que mobilize cada cidadão em favor da vida digna para todos. Digo solidariedade humana para acentuar o imprescindível cuidado com as pessoas, já substituído significativamente pelo cuidado com os animais domésticos.

Para a superação da miséria, da fome e do abandono dos pobres destacam-se algumas instituições da sociedade civil e entidades de inspiração religiosa que oferecem sua contribuição para amenizar o sofrimento de tantos. Nada deveria nos impedir de cuidar dos mais pobres. Nenhuma restrição deveria atar nossas mãos de oferecer àqueles que estão sem casa e vagueiam pelas ruas alguma oportunidade de conforto. Jesus, ainda no ventre de Maria, deparou-se com a hospedaria fechada. Mas, ele não hesitou em ensinar com a parábola do bom samaritano que o modo de tratar o próximo caído é, inclusive, levá-lo até uma hospedaria e oferecer cuidados (cf. Lc 10,25-37).

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