Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo de Juiz de Fora
Ao descrever o início da vida pública de Jesus, João Evangelista expõe dois fatos. O primeiro é a transformação de água em vinho, nas bodas de Caná, e em seguida a purificação do Templo com a expulsão dos vendilhões e cambistas.
Sem dúvida é curioso perceber que Jesus, sempre manso e humilde de coração, o misericordioso Mestre de Nazaré que perdoou a pecadora pública preservando-a do apedrejamento, aquele que teve pena dos cegos e dos coxos, dos surdos e dos paralíticos; o mesmo Jesus que atendeu ao amoroso pedido de Maria em Caná da Galileia, o mesmo que chorou ternamente diante do túmulo de Lázaro, aquele Mestre que resumiu todo o decálogo de Moisés e todas as demais leis de Israel em um só mandamento do Amor, agora o vemos austero e justo, empurrando mesas e espantando animais, empunhando um látego para expulsar mercadores da porta do Templo. “Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes” (Jo 2, 16).
A atitude de Jesus tão inusitada e inesperada, contudo, não é destituída de sentido, mas torna-se uma grande lição para todos os que o compreendem, os seus seguidores e sobretudo os seus apóstolos. O gesto severo do Senhor revela-se como uma lição a respeito da seriedade da Palavra e das coisas de Deus. O Senhor é misericordioso, e, como Pai bondoso, não deixa de ser justo e se consente até mesmo em castigar seus filhos para que não sucumbam no erro. Castigar sem causar mal é um ato louvável e necessário para o próprio bem daquele que errou e precisa seguir o bom caminho. A impunidade é um crime que alimenta outros crimes e não auxilia a justiça para com os que não erraram.
Na verdade, Jesus e todos os judeus sabiam que entre os preceitos da lei no Antigo Testamento, encontravam normas e provérbios tais como: “O pai que poupa a vara, é porque odeia seu filho; quem o ama, corrigi-o prontamente” (Pr 13, 24); ou “Filho sábio aceita a disciplina paterna; o insolente não ouve quando é advertido” (Pr 13, 1); ou ainda: “Meu filho, não rejeites a disciplina do Senhor, nem desprezes quando ele te corrige, pois, o Senhor corrige os que ama, como o pai, ao filho preferido” (Pr 3, 12).
O mandamento divino não prevê o mal contra seus filhos, mas sim o bem, para que, conhecendo os limites do perigo, nele não pereçam. A atitude de Jesus, talvez incompreendida por alguns, tem profundo senso positivo, contendo dentro de si os sinais evidentes do mesmo amor sempre ensinado, pois protege o que é santo e ensina a bem viver àquele que caiu em erro, que foi sucumbido por equívocos e que descuidou do mal.
O que centraliza toda a mensagem deste trecho lido no terceiro domingo quaresmal é o zelo de Jesus pela casa do Pai, por isso cita o Salmo: “O Zelo pela tua casa me devora!” (Sl 69,10). Ele explicará aos fariseus intrigantes que maior que o Templo de pedra é o seu próprio corpo que vai ser massacrado pela paixão, pelos flagelos dos verdugos, pela morte terrível na cruz, mas ressuscitará ao terceiro dia. Deixará claro que para crer nele não basta o encantamento com milagres, mas será necessário segui-lo em todas as circunstâncias, sem vacilar, sem desanimar, sem negligenciar. “Quem me quiser seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e me siga” (Lc 9, 23), afirmou a seus discípulos. E ainda dirá: “ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24).
Estamos a caminho da Páscoa, a grande festa dos cristãos. Já aqui vivenciamos as glórias da ressurreição, inebriados no corpo místico do Senhor, o verdadeiro templo no qual queremos habitar, e servir com zelo que nos devore o coração dia por dia até chegar à casa definitiva do Pai.