Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta
Acostumamo-nos a cantar, sobretudo no tempo quaresmal, uma afirmação basilar de nossa vida cristã: “ó cruz, tu nos salvarás”. Por meio de sua cruz fomos salvos de nossos pecados. No quarto Cântico do Servo Sofredor, de Isaías, já estava prefigurado esta verdade: “Mas ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço de nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,5). A “grande semana” a partir do Domingo da Paixão, é um convite a caminhar e contemplar Jesus Cristo e sua entrega definitiva. Em outras palavras, nos pede para olhar para o crucificado e o significado de sua cruz. Na liturgia do Domingo de Ramos rezamos: “Concedei-nos aprender o ensinamento da sua paixão e ressuscitar com ele em sua glória”.
Não foi o sofrimento, nem o sangue derramado e nem a cruz a fonte de nossa redenção dos pecados. Como assim? A resposta clara está no evangelho de João: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou” (Jo 13,1). O único a poder perdoar pecados e nos resgatar da condição humilhante que vivemos é o imenso e total amor de Jesus Cristo. Deus não quer o sofrimento nem o do seu Filho e nem o nosso. Ele, contudo, nos acompanha sempre. Está ao nosso lado, nos amando sempre. Podemos quase dizer que Deus “sofre” conosco. Então, sim, o sofrimento de Cristo é redentor, pois ele é fruto de um amor total. Todos estamos incluídos nele. Sendo humano, nenhuma criatura está excluída, desde que o acolhamos com gratidão e alegria. A partir do olhar do amor, o sangue de Jesus é redentor, pois é fruto de uma fidelidade inigualável, sem trair ou voltar para trás. A cruz de Jesus é redentora, pois nela está escrito, com sangue e suor, o significado do que é amar. Sim, o amor é redentor. Olhemos para o crucificado com este sentimento. Deixemos que nesta semana, sejamos provocados no significado profundo de um amor redentor, pura graça, que nos alcança em nossa humanidade fragilizada, indiferente e individualista.
Quando Paulo escreve à comunidade de Corinto, lembra-lhes o evangelho da cruz para apresentar o mistério de Deus. “Entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Cor 2,2). Paulo já tinha certeza que o amor redentor de Jesus vai além do sofrimento. Ele nos ensina a humildade de Cristo que, mesmo no sofrimento e na morte, continua a amar. “Ele me amou, e se entregou por mim” (Gl 2,2). “Nós pregamos Cristo crucificado” (1Cor 1,23), afirma o apóstolo. “E Cristo, que nos salvou dos nossos pecados na Cruz, com o mesmo poder da sua entrega total, continua a salvar-nos e resgatar-nos hoje. Olha para a sua Cruz, agarra-te a Ele, deixa-te salvar, porque, «quantos se deixam salvar por Ele, são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento» (EG n.1). E, se pecares e te afastares, Ele volta a levantar-te com o poder da sua Cruz” (CV n. 119).
Porém, nosso olhar humano diante do testemunho de amor de Cristo, no crucificado, logo vai além. Atinge nossa vida, nossa consciência, muitas vezes adormecida. Vai até onde estão os sofredores do nosso tempo. Diante do crucificado é legítimo o choro e o clamor de todos os que estão nas periferias existenciais e geográficas. Diante do seu olhar somos uma grande família, seus filhos. Quando realizarmos, com piedade, nossa oração diante do crucificado, lembremos que Cristo Vive, ressuscitou, está sempre conosco. E mais, Ele nos quer vivos e testemunhas de sua vitória. “Vitória, tu reinarás, ó cruz, tu nos salvarás”.