O encontro dos Episcopados Lusófonos

Estou chegando de viagem. Estive na República Democrática de São Tomé e Príncipe, onde participei de encontro de episcopados que falam a língua portuguesa. Representávamos 7 das 9 nações da Europa, Ásia, África e América que tiveram colonização lusa. De dois em dois anos acontece esse tipo de reuniões, nas quais há intercâmbios de experiências e busca de pistas para serem enfrentados desafios comuns. O tema desta vez foi a luta contra a pobreza em nossos lugares de origem.

Fiquei impressionado com a natureza de São Tomé, uma das duas ilhas que formam geograficamente o país sede do encontro. Na altura do Golfo de Guiné, teve seus momentos de importância na época do comércio de escravos africanos que eram trazidos para o Brasil e, mais tarde, na produção do melhor cacau do mundo. Atualmente, passa por dificuldades econômicas e enfrenta graves problemas sociais. D. Manuel Antônio Santos, bispo local, fez questão de que conhecêssemos as várias realidades do país. Almoçamos e conversamos demoradamente com o presidente da República; em outro dia, o fizemos com o primeiro ministro.

Visitamos alguns empreendimentos econômicos. Estivemos nas obras sociais da Igreja. Participamos de celebrações litúrgicas em várias comunidades. Sente-se muita vida ao lado do desejo de dar condições dignas ao povo. Impressionou-nos a decadência das fazendas de cacau acontecida após a independência do país. O fato marcante foi uma visita que fizemos rapidamente a uma dessas fazendas, a “Roça Dona Augusta”. Era ao entardecer e vínhamos de um hotel belíssimo erguido em pequena ilha, no Ilhéu das Rolas.

Entramos num ramal da rodovia e nos deparamos com um casario tipo senzala, onde havia gente que não acabava mais. A miséria saltou-nos aos olhos de maneira brutal e escancarada. Homens, mulheres, jovens, crianças, idosos estavam lá como multidão faminta e desorientada. Uma jovem disse a um dos bispos:”Isto não é lugar para se viver; não sei por que minha mãe deu-me à luz aqui”. Outra senhora recomendou: “Digam por aí que nós estamos aqui”. Era a imagem do desconsolo, da falta de esperança, da ausência de expectativas.

Essa é a situação de São Tomé. Essa é a situação do Haiti e de tantas outras partes do mundo, inclusive de regiões do Brasil. Foi uma tapa na cara. Ao voltar para o lugar do encontro, todos nós íamos cabisbaixos, pensativos, tristes. Havíamos visto o rosto de Deus em homens e mulheres como nós, que têm os mesmos direitos de qualquer ser humano, que exigem ser considerados filhos de Deus como nós, e que vivem com fome e em condições indignas.

Como é difícil engolir que o Senhor seja assim maltratado em tantas pessoas! Discutíamos a luta contra a miséria e ali nos confrontávamos com milhares de vítimas de injustiças que geraram estruturas de fome. Lembrei-me do episódio evangélico da multiplicação dos pães e peixes (Mc 6,34-44). “Assim que desembarcou, viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão por eles, pois estavam como ovelhas sem pastor.” Jesus não ficou na compaixão; partiu para atos concretos: “Ensinava muitas coisas” e multiplicou o 5 pães e os 2 peixes.

A FAO, órgão da ONU para a alimentação, fez os países assinarem um compromisso de erradicação da miséria em curto prazo, só que poucas coisas  estão acontecendo de concreto e as metas não acontecerão. Ao pensar que um dos critérios a serem usados por Deus no julgamento final é dar de comer a quem tem fome, fica a inquietação de que a humanidade não receberá a vida eterna.

Dom Luiz Soares Vieira

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