O mau exemplo dos parlamentares

Dom Eduardo Koaik

Bispo Emérito de Piracicaba

Espera-se não atinja a instituição de mais firmeza que seus integrantes. O assunto repercutiu forte na imprensa, mas logo esfumaçou. Há sempre quem volte a falar dele, pois não saiu da consciência do povo, embora pareça tê-lo esquecido: o escandaloso aumento dos subsídios dos membros da Câmara Federal de Deputados. Onde se vai e com quem a gente conversa, o comentário destila desgosto e certa revolta. Não é para menos. Engordaram o próprio salário de um modo tão desproporcional, pela rapidez e pelo tamanho a que chegou, que não condiz com a realidade da vida do nosso povo.

Passaram a ganhar mais que nos países ricos ganham seus colegas de função. Função que não pode ser vista como simples profissão e sim como vocação perpassada de idealismo. Só um exemplo: nos Estados Unidos, com uma economia doze vezes maior que a nossa, os parlamentares percebem um salário bem menor que seus pares em nosso país. A queixa dos nossos deputados era de ganhar pouco. Difícil encontrar quem não diga que ganha pouco. Mas, de ganhar pouco para ganhar “demais da conta”, é inaceitável. Rejeitado, deve ser o processo usado: aprovaram o próprio salário com a velocidade do trem-bala e a dos demais costuma ser a passos de tartaruga. O salário próprio, reajustado na altura de 62%, chega a R$ 26.723,13, o que corresponde ao aumento de 10 mil reais, em brutal contraste de 30 reais para o salário mínimo. Aumento esse que gera efeito-cascata em todos os legislativos estaduais e municipais.

O deputado Francisco da Silva, mais conhecido por Tiririca, quando candidato, fazendo humor de palhaço, “soltou o verbo”, sendo ele eleito, “pior do que está não fica”. Com certeza, enganou-se. De fato, ficou pior, não diria por sua presença na Câmara Federal em respeito a seus eleitores, mas pelo que ela deixa de fazer para ficar melhor. Dispenso-me criticar a verba extra, cota específica além dos subsídios, que os deputados recebem para o bom desempenho dos seus mandatos: passagem aéreas, gabinete com funcionários, moradia e outras facilidades que aliviam as despesas pessoais. Não são mordomias mas privilégios necessários para o desempenho do mandato. Nenhum privilégio se justifica a não ser em razão de estar a serviço do bem-comum. Diante dessa situação privilegiada, mais uma razão para não se entender o tal aumento do subsídio mensal dos deputados nessa proporção como aconteceu com o decreto legislativo nº 3036, votado em regime de urgência. O número dos que votaram contra (nomes que o Brasil todo deveria conhecer) foi tão insignificante que ficou caracterizado o enorme espírito corporativista reinante.

Nossa Carta Magna (1988), no artigo 7, inciso 4, prevê que o salário mínimo deve ser “capaz de atender as necessidades básicas vitais do trabalhador e sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social com reajustes periódicos que preservem o poder aquisitivo”. Pena que esse sonho esteja longe da realidade. Com o passar do tempo, vai se tornando cada vez mais difícil atender apenas o item da alimentação. Como raciocina Antonio Neto em seu artigo na Folha de São Paulo, o reajuste do salário mínimo segue um critério rígido. Usa-se, hoje, o cálculo embasado na inflação do ano corrente e na variação do PIB de dois anos anteriores. O problema é que o PIB de 2009 (referência para o aumento) recuou e não cresceu. Apesar do expressivo aumento que houve, nos últimos anos, continua muito aquém do salário justo. Vale, hoje, 42% menos do que valia em 1940 ao ser criado por Getúlio Vargas. Pelos cálculos do DIEESE, o salário mínimo atualizado seria de R$ 2.227,53.

Qual o critério para “urgência” do aumento dos subsídios dos deputados? Senador Pedro Simon, em entrevista à Folha de São Paulo contou ter apresentado projeto de lei com o qual o parlamentar não poderia ganhar mais que 15 vezes o salário mínimo. Foi chamado de demagogo e perguntaram: como um senador iria viver com isso. Com esse recente aumento, o salário do parlamentar passou a ser mais de 49 salários mínimos. A pergunta que não se pode deixar de fazer é esta: como um cidadão consegue viver com um salário mínimo? O Sr. Antonio Neto procura provar que o aumento do salário mínimo ajuda a eliminar a pobreza porque incentiva a economia do país. É um dinheiro que não vai para a poupança, “mal dá para o gasto”  e faz crescer o consumo: mais comida na mesa e melhoria da qualidade de vida, com reflexo imediato na indústria, no comércio, no emprego e na arrecadação de impostos.

Essa atitude dos deputados em defesa própria teve proporções de um escândalo. Escândalo, etimologicamente, significa “pedra de tropeço”. Comportaram-se como pedra de tropeço, sobretudo para os fracos de espírito inclinados a desacreditar na democracia. Não me incomodaria com o sucesso daqueles que conhecem os meios para ganhar mais se olhassem os pequenos que não ganham o necessário.

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