Sermão do Descendimento da Cruz

Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

 

Após a celebração da paixão as 15 horas e antes da saída da procissão na Sexta-Feira Santa, acontece a cerimônia do descendimento de Jesus da Cruz. Uma bonita e piedosa celebração que podemos resgatar em nossas paróquias, pois assim poderemos encher o coração dos fiéis de mais fé. A retirada do corpo de Jesus da cruz e a procissão pelas ruas de nossas cidades é uma antiga tradição que nos ajuda a vivenciar o gesto de Jesus entregando sua vida por todos nós.

Após termos adorado e venerado o Senhor na Cruz na parte da tarde de sexta-feira santa é costume esse gesto de desprendimento da cruz para o sepultamento. Ele ali naquela Cruz, se entregou por amor a nós e ali morreu. É preciso tirá-lo dali e sepultá-lo, para que Ele ressuscite no terceiro dia. Ele é o rei de Israel, mas não só de Israel, e sim de todos nós. Ele está no céu e de lá reina sobre todos nós. Não usa mais uma coroa de espinhos, mas usa uma coroa de glória. Seu corpo ferido se torna um corpo glorioso e nos ensina que passaremos por tribulações para chegarmos à glória. Porém o ressuscitado é o crucificado, pois conserva as chagas como lemos nas escrituras.

Na tradição desse ato, ao entrega-lo à sua mãe, podemos partilhar as dores de Maria. É preciso sepultá-lo para que o vejamos glorioso na grande Vigília Pascal. Lembremo-nos de tantas mães que nos dias de hoje sepultam os seus filhos, que têm que reconhecer o “corpo” de seus filhos. Imaginemos tamanha dor dessas mães. Que elas sejam consoladas pelo Espírito Santo e reconfortadas na fé. Que da mesma forma que Jesus nos abriu o caminho para ressurreição, possamos crer que ressuscitaremos para a vida eterna.

São Paulo já dizia na carta aos Filipenses: “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo: Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz! (Fl 2,5-8). Jesus, sendo Deus, tinha tudo para fugir da morte de cruz, não precisava passar por esse suplício, podia ter outro jeito para nos salvar. Mas Ele não foge desse momento e se entrega na Cruz, se esvazia da divindade totalmente e se entrega na Cruz por amor a nós.

Todos os evangelistas começam a escrever o seu Evangelho a partir do acontecimento pascal. A Cruz de Cristo é o sinal da nossa salvação, por meio dela fomos salvos e resgatados do pecado. Será o kerigma que será anunciado a todos. A nossa fé se baseia na Cruz de Cristo, alguns religiosos têm um lema interessante: “Enquanto o mundo gira, a cruz permanece de pé”. O Evangelho que não coloca a Cruz no centro, não é Evangelho de Jesus Cristo. Os anos podem passar, o mundo pode mudar, mas a Cruz de Cristo deve permanecer a mesma. A cruz é loucura para os judeus, escândalo para os pagãos, mas salvação para os que creem (1Cor 1, 17-31).

O apóstolo afirma que o único meio de salvação para nós é a Cruz de Cristo, não devemos achar que as coisas do mundo nos salvarão, que fazendo mortificações e outras práticas seremos salvos. A nossa fé, a nossa oração, a nossa vida do dia a dia, tem que estar ligada com a Cruz de Cristo. Em toda a Eucaristia recordamos o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Sobre o altar, tem a cruz e ao lado do altar, também. Tudo é feito por meio D’Ele e para Ele. É o mistério da nossa fé, anunciamos a sua morte e proclamamos a sua ressurreição e acreditamos que seremos salvos, por meio da fé na cruz de Cristo.

A Cruz é o esvaziamento, porque ao se entregar na Cruz, Jesus se esvazia de todos os privilégios e de todos os poderes. Podia se livrar de todo esse sofrimento, mas preferiu se entregar para nos salvar. A Cruz é o esvaziamento de todo o poder. Ser pregado na Cruz é ficar como escravo, condenado, expulso do povoado e sem poder fazer nada, pois fica com as mãos e pés atados. Morre como um rejeitado por todos, o esvaziamento se manifesta na perseguição, na prisão, no opróbrio da morte crucificada, que é a morte de um excomungado, herege.

A Cruz significa o serviço, Ele assume a condição de escravo, obediente que serve a todos, e age pelo bem de todos. Ele se entrega na Cruz, visando um bem maior, a salvação de todos. A Cruz é a concretização de tudo aquilo que Ele pregava, mas não é o fim de sua missão, Ele continua do céu a acompanhar a missão da Igreja. Por meio do divino Espírito Santo, continua vivo no meio de nós.

A Cruz de Cristo nos deixa algumas lições que devemos seguir. Temos que ter os mesmos sentimentos de Cristo, o mesmo desejo de esvaziamento e despojamento, sermos servos que se coloquem a serviço dos outros. Aprender de Jesus a lição que Ele nos deixou na última ceia, que é amar a Deus e servir ao próximo.

Para começar o descendimento de Jesus da Cruz, começa-se tirando o corpo de Jesus da Cruz. Logo após o seu último suspiro, José de Arimatéia pede a Pilatos para tirar o corpo de Jesus da Cruz e sepultá-lo. Normalmente, para tirar o corpo daqueles que estavam na Cruz, quebrava-se os joelhos, para que morressem logo e não ficassem ali durante a Páscoa. Mas como logo após o suspiro, Jesus morreu, e para cumprir a Escritura que dizia que nenhum de seus ossos se quebraria, José de Arimatéia pede a Pilatos o corpo de Jesus.

Primeiro tiram a inscrição “INRI”, que significa: Jesus Nazareno Rei dos Judeus, escrito em hebraico, latim e grego. Essa inscrição se torna para nós uma profissão de fé e rezamos diariamente no Pai Nosso: “Venha a nós o vosso Reino”. O Reino de Deus só se fará presente em nossa vida, a partir do momento que fizermos a vontade de Deus. Ele é o caminho, a verdade e a vida.

Retiram a “coroa de espinhos”. Puseram uma coroa de espinhos naquele que era o verdadeiro rei. Os espinhos simbolizam as consequências do pecado. Muitas vezes nós cravamos essa coroa em Jesus, quando não realizamos a sua vontade e cometemos pecados.

Desprendem o braço direito”. Ao ser crucificado, recebeu pregos em suas mãos e pés. Imaginemos a dor que Jesus sentiu ao receber esses pregos. Nós também colocamos esses pregos em Jesus todas as vezes que pecamos e que não fazemos a sua vontade em nossa vida. Ferimos Jesus todas as vezes que não permitimos que as nossas crianças tenham uma educação de qualidade.

Desprendem o braço esquerdo”. É preciso desatar os braços do Mestre, o braço que foi esticado e preso na Cruz, o braço que foi feito para abençoar e fazer o bem, não pode ficar preso na Cruz. Que todas as vezes que o nosso braço nos levar a pecar, lembremos das feridas que Jesus sofreu ao ter seu braço preso na Cruz.

Desprendem os pés”. Os pregos de seus pés com certeza eram maiores ainda que os pregos de suas mãos, pois pregaram seus dois pés juntos. Imaginemos a tamanha dor que Jesus sentiu, e ainda tendo que suportar a dor do flagelo que sofreu, da coroa de espinhos e dos pregos das mãos. Que todas as vezes que impedirmos alguém de caminhar, ou privar alguém de liberdade, possamos pensar o que Jesus sofreu ao ter seus pés pregados. Todas as vezes que privarmos alguma criança de ir à escola, lembremos dos pés chagados de Jesus. Toda criança tem direito a educação.

Por fim, “desceram o corpo de Jesus”. Nesse momento, façamos um profundo silêncio em sinal de respeito, ao Mestre que falecido é tirado da Cruz. Imaginemos a cena do corpo de Jesus sendo entregue à Maria, sua mãe. Lembremo-nos nesse momento de tantas mães que recebem os seus filhos “mortos” em seus braços. Mortos pela violência, balas perdidas, tráfico, doenças etc. Que o Espírito Santo conforte o coração dessas mães, do mesmo modo que confortou o coração de Maria Santíssima.

Caminhemos com fé e esperança, sempre olhando adiante, esperando ansiosamente a ressurreição final. Possamos proclamar sempre: “Vem, Senhor Jesus”.

 

 

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