Padre Agenor Brighenti, professor-pesquisador no Programa de Pós-graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná (PUCPR), em Curitiba, é um dos peritos que está atuando a serviço do processo de sistematização do Sínodo para a Pan-Amazônia, que se encerra no próximo domingo, 27 de outubro. Seu campo de especialização é a Teologia, no qual fez pós-doutorado pela Universidade Iberoamericana Ciudad de México, de 2017 a 2018. Ele também atua no Instituto Teológico-Pastoral para a América Latina do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam) desde 1994. Na live realizada pelo facebook hoje, dia 23 de outubro, no Vaticano, ele falou sobre o papel do grupo de peritos. Sobre a sua participação no Sínodo ele afirmou: “Pra mim é um privilégio servir a esta Igreja que se faz presente de forma tão concreta em tantos países, mas de modo particular em nossa querida Amazônia”. Veja abaixo, a íntegra de sua live.
Papel dos peritos
“É um serviço para assessorar os padres sinodais fazendo a ponte entre o clamor que veio do Sínodo da Amazônia e o Papa Francisco que quer recolher tudo isto numa exortação e documento que possivelmente ele vá publicar no pós Sínodo. Meu campo de atuação é a Teologia e a partir desta perspectiva tenho acompanhado, sobretudo, os processos pastorais da Igreja no Brasil e na América Latina. E também com presença bastante constante na região Amazônica por meio da formação de agentes, missionários, assessorias às dioceses e a processos de planejamento. O Sínodo está numa fase de reflexão, reunindo todas as propostas apresentadas pelos padres sinodais ao primeiro esboço do documento final. A partir disso chegaremos a um esboço final de documento a ser votado no próximo sábado, dia 26 de outubro. Aprovado, o documento então será entregue ao Papa Francisco.
Nós, os peritos, somos os que acolhem as contribuições dos padres sinodais, sistematizamos e elaboramos sempre assegurando o protagonismo dos padres sinodais. Os peritos em princípio não podem falar, mas aqui há um clima de diálogo e também damos um pouquinho de nós a essa causa tão importante que é a Amazônia. Aqui a gente se sente irmanado não apenas com os povos da Amazônia. No fundo, a gente sabe que o que se reflete aqui não deixa de ser um clamor para outras regiões. Pra mim é um privilégio servir a esta Igreja que se faz presente de forma tão concreta em tantos países mas de modo particular em nossa querida Amazônia”.
Dinâmica Sinodal
“O Sínodo se desenvolve numa dinâmica bastante sinodal, desde a presença do Papa dando testemunho de busca conjunta, de participação e discernimento com a assembleia, intervindo também em momentos muito especiais que têm sido muito ricos. Todos os padres sinodais, os peritos, os auditores, observadores e convidados especiais num clima muito bonito, fraterno, de busca comum. Toda a riqueza está sendo recolhida e plasmada num texto que será aprovado e entregue ao Papa. Este, por sua vez, vai ler e ver em que sentido e medida se pode responder aos clamores dos povos da Amazônia, que são muitos desde o campo eclesial ao campo da ecologia integral.
Integrando tudo isso nesse projeto que já havia, certamente na nova versão vai estar mais próximo daquilo que o povo da Amazônia espera. Será plasmado nas páginas deste documento final, muito importante não apenas para a Igreja na região, porque a Amazônia no fundo não deixa de ser um paradigma. A partir desta região há questões que atingem, interpelam e iluminam a Igreja universal certamente.
Sobre Teologia Indígena
“A Teologia é um esforço de fazer uma inteligência reversa das práticas, das ações da Igreja. Quer ser um serviço às comunidades eclesiais missionárias, no fundo não cai do céu, mas brota da realidade. Um espaço como este do Sínodo, por exemplo, no qual a gente ouve tantas vozes e de modo especial as vozes dos indígenas e mulheres que estão aqui, dos pastores, tudo isso é um grande laboratório que faz a gente sempre se perguntar, se questionar, alargar os horizontes do próprio discurso teológico e fazê-lo cada vez mais um serviço porque é disso que se trata. Não queremos fazer da teologia um saber acadêmico, um saber simplesmente em função de textos, mas o que se quer é alimentar as práticas dos cristãos que estão engajados, encontrando tantas dificuldades e questões que temos o dever de dar também, desde o nosso campo, uma luz, de repente também para capacitá-los para ser consequentes com a fé onde se movem.
Aqui neste Sínodo, “ecologia” e “povos originários” são dois temas que têm presença quase hegemônicas, são dois campos da teologia que são novos. No campo dos povos originários, temos uma larga experiência já de cerca de 20 anos/30 anos, sobretudo na América Latina, do que se chama de teologia indígena, que constitui uma reflexão teológica a partir da fé cristã, mas que interage e dialoga estreitamente com as sabedorias, as religiões e a cultura indígena. Todo um esforço de inculturar também a reflexão teológica no espaço dos povos originários. Eles, como gente de fé, também têm o direito, e a Igreja dá esse espaço de liberdade, para que expressem a sua fé a partir de suas epistemologias, de suas sabedorias e seu modo de ser. Porque a teologia não é um saber “absoluto”, mas um saber sobre o Absoluto e esse Absoluto que é Deus é experimentado na diversidade dos contextos das culturas. Daí nasce também, evidentemente, a legitimidade e a necessidade de um pluralismo teológico que nós vimos muito presentes aqui neste Sínodo.
A teologia indígena sai do Sínodo reforçada inclusive com novas tarefas. Há todo um clamor dos povos originários de superação, de certos resquícios ainda colonialistas, todo este pensamento que nós chamamos de “decolonial” e de descolonizar o cristianismo, a fé e a própria Igreja, isto é um clamor. Então a Teologia Indígena tem um grande contributo a dar neste campo. Uma das propostas que saíram do Sínodo, por exemplo, é a questão da inculturação da fé e da liturgia, até a proposta de um rito litúrgico para a Amazônia, onde há um espaço importante para a teologia indígena. Quando se trata também de repensar o perfil dos ministérios, a formação dos futuros presbíteros, a questão também de uma Igreja mais sinodal que interage mais com os atores da região, a teologia indígena tem todo um saber que recolhe das práticas e vivências dos povos originários que pode muito enriquecer a nossa Igreja a partir de uma cultura. Nós nem sempre estamos acostumados a acolher e a ouvir. E aqui no Sínodo esta cultura e estes povos se fizeram ouvir e o Papa Francisco, com muita atenção, escutava a todos, o que quer dizer que existe um campo aberto para uma teologia que é jovem, nova, mas muito necessária para nossa Igreja.
Todas as Teologias, como saberes culturais marcadas também pelo humano, têm suas ambiguidades e suas arestas a polir. Mas a Teologia Indígena não é uma teologia que oferece grandes problemas à ortodoxia da fé cristã. Todos os saberes precisam dialogar entre si, se enriquecer, buscar novas formas de aprimoramento da epistemologia, do método, como também se integrar aos conteúdos da fé. As teologias vão também evoluindo e também se superando. Existe uma história da Teologia e a Teologia Indígena tem uma bela história e certamente continuará ampliando seu universo simbólico, semântico e também epistemológico. E isso tudo só enriquece uma Igreja que é evidentemente a expressão da unidade na diversidade de povos, culturas, de diferentes modos de expressar e encarnar a fé cristã. Como foi feito ao longo da história, houve momentos em que a Igreja teve certa dificuldade de reconhecer e acolher esta diversidade, mas, desde o Concílio Vaticano II, entendemos a unidade como a reunião de diversidades. E o diferente não é um perigo ou um herege em potencial. Escutar os diferentes sempre nos enriquece.