Papa Francisco: o pastor que moldou uma nova face da Igreja 

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)

 

Na manhã do dia 21 de abril de 2025, a Igreja e o mundo receberam, com tristeza e reverência, a notícia do falecimento do Papa Francisco. Ao anunciar sua morte, o Cardeal Kevin Farrell, camerlengo da Câmara Apostólica, declarou: “Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da Igreja”. Esse anúncio ressoou como um chamado à memória e à gratidão pela herança espiritual deixada por este servo de Deus que conduziu a barca de Pedro com ternura, coragem e fidelidade. 

Desde então, a Igreja em todas as partes do mundo uniu-se em oração e ação de graças pela sua vida, pelo seu ministério e pelo imenso legado que deixa à humanidade. Sua última aparição pública, no Domingo da Ressurreição, constituiu um verdadeiro testamento espiritual. Debilitado, mas com o coração inflamado de fé, o Papa apareceu à sacada da Basílica de São Pedro para conceder sua bênção pascal Urbi et Orbi, proferindo, com voz frágil, porém carregada de significado: “Irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!” 

Francisco foi uma dádiva providencial do Espírito Santo para a Igreja. Desde o início de seu pontificado, imprimiu uma marca indelével, abrindo caminhos de renovação pastoral e missionária. Em sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium, delineou as bases de uma conversão pastoral e da renovação missionária da Igreja, chamada a ser “em saída”, alegre, próxima, acolhedora e servidora, especialmente dos que mais necessitam.  

Colocou no centro de sua ação pastoral o cuidado com a casa comum, especialmente por meio da Encíclica Laudato Si’, na qual desenvolveu o conceito de ecologia integral e propôs uma autêntica conversão ecológica. Na Exortação Apostólica Laudate Deum, como um profeta — um novo Noé —, alertou a humanidade para a gravidade da crise climática, interligada às crises antropológica, ética, espiritual e moral, que colocam em risco a sobrevivência da vida humana e das demais criaturas na Terra. 

O Papa Francisco não se furtou aos dramas internos da Igreja. Enfrentou com firmeza os casos de abusos, promovendo reformas na legislação e nas estruturas eclesiais, com o objetivo de prevenir novos crimes e assegurar a responsabilização dos infratores — como exemplificado na promulgação do decreto Vos estis lux mundi. Foi, sobretudo, um pastor com o “cheiro das ovelhas”, expressão que se tornou símbolo de sua proximidade com o povo. Lavou os pés de encarcerados, abraçou refugiados, beijou doentes, visitou favelas e periferias — gestos que revelam que o Evangelho não é apenas proclamado, mas vivido concretamente. 

Seu pensamento reflete a tradição pastoral e espiritual latino-americana: uma Igreja próxima, inserida no meio do povo, marcada pela opção preferencial pelos pobres, sensível aos desafios sociais e à religiosidade popular. Ele próprio reconheceu que sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium foi fortemente inspirada no Documento de Aparecida, fruto da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, da qual participou ativamente e na qual atuou como relator. 

O novo Sucessor de Pedro herdará não apenas uma cátedra, mas um testemunho de coerência evangélica e um . Os desafios que se impõem são muitos e exigentes: manter a unidade da Igreja, permanecer fiel ao Evangelho, encontrar novos caminhos para o anúncio da fé, aprofundar a sinodalidade, prosseguir com a reforma da Cúria, enfrentar os dilemas da cultura digital e, sobretudo, perseverar no compromisso com os pobres e com o cuidado da criação. 

Francisco deixa-nos o exemplo do pastor fiel, do servo humilde, do profeta da esperança. A ele, nossa eterna gratidão. E a nós, o compromisso de manter viva a sua missão: anunciar que Cristo vive — e, em Cristo, Francisco vive também. 

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