Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo (SP)
Nem sempre se considerou o serviço judiciário, exercido pela Igreja através dos Tribunais Eclesiásticos, como uma ação pastoral; falar em “pastoral judiciária” parece algo impróprio e até estranho. De fato, porém, o trabalho dos Tribunais e de outros serviços eclesiais voltados para a aplicação do Direito Canônico também faz parte do cuidado do Pastor pelo seu rebanho. Portanto, incluem-se entre os serviços pastorais.
O exercício da justiça eclesiástica possui finalidade genuinamente pastoral e deve ser oferecido aos fiéis com esse mesmo espírito. Não se trata de mera burocracia, nem de formalismo ou de legalismo desnecessário, mas de oferecer a assistência canônica e jurídica aos fiéis que tenham a necessidade disso, para o seu maior bem.
Com as duas assembleias do Sínodo dos Bispos sobre o casamento e a família (2014 e 2015), a Igreja tomou consciência mais clara da necessidade e dos direitos dos fiéis que buscam uma palavra de discernimento, decisão ou orientação da Igreja acerca de sua vida matrimonial e familiar, nem sempre regular. Entre as duas assembleias do Sínodo, no dia 15 de agosto de 2015, o Papa Francisco emitiu a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio – “Mitis Judex, Dominus Iesus ”, reformando o Direito Canônico da Igreja de rito Latino no tocante aos processos de nulidade matrimonial; e fez o mesmo com o Código das Igrejas Orientais mediante o Motu Proprio – “Mitis et Misericors Iesus ”.
Em consequência, muitas dioceses do Brasil e do mundo inteiro passaram a erigir Tribunais Eclesiásticos diocesanos e interdiocesanos. É o caso da província eclesiástica de São Paulo, na qual, desde então, já foram erigidos os Tribunais de Santos, Santo André, Mogi das Cruzes e Santo Amaro; ainda outros estão em fase de constituição. Somente esse fato já significa muito em oferta de serviços jurídicos ao povo de Deus na área dessa província eclesiástica e muito mais pessoas já podem ser atendidas, em tempos relativamente breves.
Naturalmente, o Tribunal interdiocesano de primeira instância de São Paulo ficou com carga menor de causas a atender, e poderá voltar maior atenção à própria Arquidiocese e às dioceses de Guarulhos, Osasco, São Miguel Paulista e Campo Limpo, que ainda dependem desse Tribunal. Ademais, a própria arquidiocese de São Paulo também inovou no serviço judiciário, pelos mesmos motivos ditos antes: tornar mais próximo e eficiente o serviço da pastoral judiciária para as pessoas que dele necessitam.
Além do Tribunal Eclesiástico interdiocesano de primeira instância e do Tribunal Eclesiástico de apelação, a arquidiocese de São Paulo conta agora com seis Câmaras Eclesiásticas de Instrução Processual, uma em cada Região Episcopal, com sede na cúria em cada Região. As Câmaras são órgãos auxiliares do próprio Tribunal e podem desempenhar um papel importante na pastoral judiciária. Em cada Câmara atuam Auditores e Notários, aos quais compete acolher e ouvir as pessoas que têm supostas demandas judiciais de cunho matrimonial. Desse primeiro momento de escuta, diálogo e discernimento, pode decorrer a necessidade de uma investigação pastoral formal para uma eventual introdução de causa no Tribunal Eclesiástico por parte dos cônjuges. Cabe às Câmaras, então, elaborar o relato dos fatos e dos motivos que justifiquem a introdução de causa no Tribunal e, na medida de suas competências e na relação estreita com o próprio Tribunal, acompanhar o desenvolvimento da causa iniciada.
Temos a esperança de que esse serviço possa beneficiar a muitas pessoas que têm o desejo ou a necessidade de procurar os serviços do Tribunal Eclesiástico em vista de uma causa matrimonial. No curso anual do clero, em Itaici, de 7 a 10 de agosto, essas questões serão objeto de reflexão e de esclarecimento dos padres da arquidiocese de São Paulo. Eles, por sua vez, também terão papel importante para que a pastoral judiciária possa ajudar a proporcionar o bem maior aos fiéis: “a salvação das almas” (Cân. 1752).