Paulo, Discípulo-Missionário de Jesus Cristo

Quando o Papa Bento XVI proclamou a realização do Ano Paulino, por feliz coincidência – ou por obra do Espírito Santo – a Igreja do Brasil já tinha escolhido a Primeira Carta aos Coríntios e a Carta aos Filipenses como temas de aprofundamento para 2008 e 2009.  Tudo isso ajudou para fazer do ano em curso um ano muito profícuo para o estudo e conhecimento da teologia, espiritualidade e visão de Paulo.  Para muitos tem sido uma revelação, pois ajudou a mudar uma visão bastante equivocada de Paulo, que é comum na Igreja.  Muitas vezes a imagem que existe dele é forjada por trechos de algumas cartas dêutero-paulinas (ou seja, não escritas por ele, mas por alguém duma geração posterior) ou por “glosas” (inserções feitas por um copista e não da autoria do apóstolo) antifeministas, como ICor 14, 34ss.

Embora Paulo já gozasse de grande fama como missionário aos gentios, é necessário enfatizar que ele vivia plenamente o binômio tão proclamado pelo Documento de Aparecida, ou seja, o ser discípulo-missionário, como duas faces da mesma moeda, conforme disse Bento XVI (cf. DAp 146).

Em geral a imagem de Paulo, que muitos têm, provém mais de Atos dos Apóstolos do que dos escritos do próprio apóstolo. Convém lembrar que Atos tem o seu próprio esquema e interesse teológicos e que Lucas está mais interessado em transmitir uma reflexão teológica sobre o caminho feito pela Palavra do que em ensinar dados biográficos de Paulo.  Assim, nem sempre as informações em Atos combinam com os dados biográficos fornecidos por Paulo nas suas cartas. Respeitando os interesses especiais de Atos, torna-se importante dar maior atenção aos escritos do próprio Paulo.

É muito conhecido o relato de Atos 9 sobre a chamada “conversão” de Paulo. Paulo, quando fala da sua experiência própria, é mais circunspeto, e não dá pormenores.   Para as suas cartas não importa o “como”, mas “o que aconteceu” com ele.  Umas palavras na Carta aos Filipenses resumem essa experiência: “…eu também fui conquistado por Jesus Cristo” (Fl 3,12b).  De alguma maneira Jesus entrou na vida de Paulo – que não o conhecia durante a sua vida na terra – para não mais sair, de modo que este dedicasse a sua vida inteira a Jesus como discípulo-missionário.  Assim, Paulo tem muito em comum conosco, pois nós também somos chamados a ser discípulos-missionários de Jesus sem nunca ter nos encontrado fisicamente com ele. Dessa maneira partilhamos algo da experiência de Paulo.

É interessante notar o termo que Paulo usa – enfatiza que ele foi “conquistado” por Jesus.  A palavra “conquista” implica luta, resistência.  Aqui podemos ouvir ecos das palavras de Jeremias nas suas “Confissões”: “Foste mais forte do que eu e venceste” (Jr 20, 2b). Assim Paulo deixa transparecer que a sua conversão ao discípulado-missão não foi algo tão pacífico, mas custou luta e dor. Atos retrata essa experiência na história do Caminho de Damasco, quando Paulo recebe uma revelação de Jesus e  fica “três dias sem poder ver, e não comeu nem bebeu nada” (At 9,9), ou seja, a experiência de morte/ressurrreição feita por Paulo, que terminou quando ouviu de Ananias as palavras “Saulo meu irmão, fique cheio do Espírito Santo” (At 9,17), e Saulo (Paulo) levantou, foi batizado e logo depois comeu e ficou forte como antes. Uma maneira ilustrativa de transmitir a experiência de Paulo – quando por revelação de Jesus ele descobriu que a sua vida adulta inteira até aquele momento tinha sido baseada sobre uma falsidade – que a Lei salva. Que descoberta dolorosa – com aproximadamente 36 anos de idade, descobrir que tudo que tinha como certeza e fundamento de vida foi falso, pois a salvação vem pela graça de Deus em Jesus Cristo. Como Jacó teve que lutar com Javé (Gn 32, 23-31), Paulo teve que lutar nessa noite escura da alma, e a sua vida foi transformada pela graça de Deus.

O Apóstolo deixa bem claro que a conversão a Jesus não foi obra dum momento – mas um processo permanente, como é também nas nossas vidas.  Aos Filipenses ele declara: “eu não tenho conquistado o prêmio ou chegado à perfeição; apenas continuo correndo para conquistá-lo” (Fl 3,12). Assim é para todo/a cristão/ã e por isso Paulo encoraja a sua comunidade em Filipos com as palavras que valem hoje para nós, seja qual for a nossa idade, experiência ou caminhada feita: “qualquer que seja o ponto a que chegamos, caminhemos na mesma direção” (Fl 3,16).

A experiência do discipulado levou Paulo a ser missionário, pois entendeu muito bem que os dois elementos estão interligados.  Embora não seja claro como foi a vida de Paulo depois da sua experiência de conversão – as informações em Atos e Gálatas não combinam muito bem – segundo Atos, Barnabé foi buscá-lo para ajudar na evangelização de Antioquia, e Paulo não hesitou, mas passou o resto da sua vida como missionário ambulante, junto com vários companheiros e companheiras. A comunidade de Antioquia nos dá um exemplo da importância da missão na vida dos primeiros cristãos.  At 13,1 nos dá um retrato da comunidade recém-formada naquela cidade cosmopolita – foi dirigida por cinco membros de várias origens, etnias e culturas, incluindo um levita de Chipre (Barnabé), um negro da África (Simeão, o Negro), um líbio (Lúcio), um judeu da classe alta (Manaém) e um fariseu convertido de Tarso (Saulo).  Esta comunidade pluri-cultural e multi-étnica, na fragilidade da sua existência, já sentia a necessidade de mandar alguns membros em missão além-fronteiras, e escolheram não os mais fracos, os que sobravam, que não fariam falta, mas exatamente os dois esteios da comunidade, Barnabé e Saulo.  Para ela – e assim deve ser para nós – missão não é algo opcional, nem uma simples atividade da Igreja, mas um atributo de Deus, que confiou essa tarefa às comunidades dos discípulos/as de Jesus.  Missão não se faz quando não custa nada – para Paulo e seus companheiros, era da essência do ser cristão. Uma comunidade que não tem senso missionário pode ser tudo, menos uma comunidade verdadeiramente cristã.

Temos uma oportunidade ímpar neste Ano Paulino, com tantas publicações e cursos sobre o tema, de mergulharmos na experiência de Paulo, discípulo-missionário de Jesus, modelo para todos os cristãos hoje: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho” (ICor 9,16).

Pe. Tomaz Hughes, SVD
Curitiba; PR

Tags:

leia também