Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer,
Arcebispo de São Paulo
Na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz, comemorado pela nossa Igreja todos os anos no dia 1° de janeiro, o papa Bento XVI trata de um tema crucial e delicado: “liberdade religiosa, como caminho para a paz”. É preciso lembrar que o Cristianismo começou com um fato de rejeição da Sagrada Família em Belém – “não havia lugar para eles” – e de perseguição e exílio, com a fuga de José e Maria para o Egito, para salvar o menino Jesus da espada do rei Herodes. E houve frequentes perseguições religiosas ao longo da história, não apenas em relação aos cristãos; fatos de cerceamento da liberdade religiosa foram causas de conflitos sociais e até de guerras entre nações. A falta de liberdade religiosa e o desrespeito pela religião são motivos para a perda da paz.
E nossa época não está livre disso; pelo contrário, vemos ressurgir em várias partes do mundo uma perseguição aberta aos cristãos, com numerosos martírios, ataques e incêndios a templos e discriminações religiosas de vários tipos. Poucos dias antes do Natal, tivemos a triste notícia do massacre na catedral siro-católica de Bagdad, durante uma Missa, no qual perderam a vida 52 pessoas, inclusive dois sacerdotes, além de muitos feridos; na mesma noite do Natal, e ainda depois, houve ataques a cristãos em várias partes do mundo; o Papa observa que está em curso uma espécie de “cristianofobia” e os cristãos são, atualmente, o grupo religioso mais perseguido no mundo.
O Papa não pede privilégios para os cristãos, nem para alguma religião; nem sequer para os crentes em Deus, mas que a liberdade religiosa seja respeitada e a contribuição positiva das religiões para a vida social e cultural seja valorizada. A liberdade religiosa é um dos direitos humanos basilares e expressão da nobre dignidade do ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus, capaz de se transcender, de buscar a verdade, os valores elevados do bem e da justiça, de procurar pelo sentido da vida e de se abrir para o diálogo com Deus. A liberdade religiosa diz respeito, portanto, à sua constituição espiritual do ser humano e ao exercício da sua mais alta dignidade e capacidade; ele não é somente corpo e matéria, nem se realiza apenas com a satisfação de suas necessidades corporais e materiais.
Respeitar a liberdade religiosa é dever de todos e o Estado deve assegurar este direito, junto com outros direitos inalienáveis, como o direito à vida e à alimentação. Embora a Igreja estimule a todos na busca sincera e incansável da verdade e da fé sobrenatural em Deus, ela também ensina que se deve respeitar a consciência e a liberdade religiosa de todos; também daqueles que não têm fé nem religião. Isso não é o mesmo que indiferentismo ou sincretismo, em que uma coisa vale a outra, onde tudo é verdade e nada é verdade. Conhecer e valorizar a própria fé é condição para que se possa compreender, distinguir e valorizar outras formas de crer; o respeito e o apreço sincero pela fé do outro, embora diferente da nossa, não nos deve levar a colocar tudo no mesmo nível, ou até a depreciar a própria fé. O diálogo respeitoso com as outras religiões e o diálogo ecumênico sincero com outros cristãos, não católicos romanos, precisa ser levado a sério e deve suscitar formas comuns de serviço à comunidade humana, onde a fé em Deus leva a dar-se as mãos em prol da dignidade das pessoas, da solidariedade e da paz.
Contrários à liberdade religiosa são o fanatismo e o fundamentalismo, duas manifestações mal esclarecidas ou desviadas de religiosidade; o fundamentalismo torna-se intolerante e não tem a capacidade de apreciar o que há de bom e positivo na religião do outro; o fanatismo quer impor à força as próprias convicções aos outros. Ambas essas atitudes instrumentalizam, de forma ideológica, a religião e o nome de Deus para fins políticos ou econômicos, além de desrespeitar profundamente a liberdade religiosa dos outros. Nada disso é aceitável. A religião verdadeira promove a verdade, a justiça e a solidariedade; o fruto será a paz, embora os discípulos de Cristo devam saber que nunca estarão totalmente isentos de perseguições: “se perseguiram a mim, também perseguirão a vós” (Jo 15,20). Mas o crente em Deus nunca pode tornar-se um perseguidor do outro, ainda mais por causa da religião e do nome de Deus.
Por ser assunto de grande relevância, aconselho os leitores a lerem na íntegra a Mensagem do Papa Bento XVI, podendo encontrá-la facilmente na internet (cf www.arquidiocesedesaopaulo.org.br).