A Edições CNBB está circulando a Revista Bote Fé edição nº 23, correspondente aos meses de abril, maio e junho de 2018, com uma matéria especial sobre o fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil. Em busca de uma vida melhor, estabilidade financeira, serviços de saúde e alimentos, centenas deles fogem da severa crise que assola o seu país, tendo como porta principal de entrada o Estado de Roraima, no Brasil. A prefeitura de Boa Vista, capital do Estado, estima que cerca de 40 mil venezuelanos já tenham entrado na cidade, o que representa mais de 10% do total de habitantes, hoje estimado em mais de 300 mil. Guardadas as devidas proporções, a reportagem mostra que Roraima vive uma crise de imigração sem precedentes.

Natural de Tucupita, cidade na Venezuela, Constatino Sapata, de 28 anos veio para Pacaraima com o objetivo de conseguir alimento e trabalho. O indígena, que já é viúvo, deixou duas irmãs em seu país de origem para tentar a sorte no Brasil. Ele já está há três meses no abrigo. “Aqui é melhor do que na Venezuela. Há tudo: comida, trabalho”, afirma. Constatino teve a sorte que nem todos têm: a chance de ficar no abrigo. Muitos deles estão vivendo na rua, em qualquer lugar que os proteja, ao menos, da chuva e do sol.
Em Boa Vista a situação não é diferente. Por lá a maioria dos imigrantes também estão em busca de emprego e melhores condições de vida. Jessika Rubio, de 27 anos veio para a cidade com a filha, de 5. Abrigadas no pátio da Paróquia Nossa Senhora da Consolata, a imigrante conta que a situação em seu país de origem é precária. “Na Venezuela não se consegue comida por ser muito cara. O salário de uma pessoa que trabalha não serve para nada. O dinheiro não serve nem para comprar uma roupa para a criança”, relata.
Conforme dados divulgados pela Polícia Federal em Roraima, a maioria dos venezuelanos que migram para o estado é de Caracas, capital do país. Mais de 58% são homens e jovens entre 22 e 25 anos. A maior parte deles são estudantes (17,93%), seguidos por economistas (7,83%), engenheiros (6,21%) e médicos (4,83%). Segundo o professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e especialista em fluxo migratório, João Carlos Jarochinski Silva a forte onda migratória é explicada pela severa crise econômica, política e social pela qual passa a Venezuela.

“No contato diário com esses imigrantes – uso esse termo, pois, ainda, não houve análise das solicitações de refúgio dos que ingressaram nesse atual fluxo – eles relatam situações em que fogem da escassez de alimentos e medicamentos, do aumento da violência no país, da dificuldade em conseguirem se manter com os salários que recebiam, visto que há uma inflação recorde no país. Esses fatores, geram o que eu chamo de uma migração forçada em virtude desse quadro que praticamente expulsa as pessoas de seu país”, explica o professor.
João Carlos afirma que o Brasil não está preparado para receber esses imigrantes, mas acredita que isso não é razão para impedir a sua entrada no país. “O Brasil precisa, definitivamente, assumir seus compromissos e estabelecer uma política migratória coerente com seus princípios e com aquilo que defende para os brasileiros que se encontram no exterior para reforçar seu aparato e oferecer acolhimento digno e possibilidade de integração para esses imigrantes”, finaliza.
Ajuda humanitária
A Igreja Católica tem sido uma das fontes de solidariedade aos milhares de imigrantes venezuelanos. Junto com entidades da sociedade civil e pessoas de boa-vontade tocadas pelas necessidades humanas dos imigrantes, somam-se forças para dar abrigo, alimentação e assistência. “Sabemos que é uma realidade delicada, uma situação emergente, humanitária. Digamos de muita necessidade, de acolhida como nos ensina o papa Francisco e também de promoção e de integração”, afirma o bispo de Roraima, dom Mário Antônio da Silva.

O religioso descreve a situação como ‘dramática’ e afirma que os imigrantes saem da Venezuela por uma necessidade humanitária. “É nossa obrigação estender a mão, acolher e fazer aquilo que o Evangelho nos aconselha, como o próprio Jesus Cristo nos diz: ‘Amai-vos uns aos outros’”, diz. Dom Mario explica que a Igreja tem se feito presente através da Pastoral do Migrante, das Pastorais Sociais, da Cáritas Brasileira e também por meio do serviço de orientação aos migrantes.
Exemplo concreto de atuação da Igreja se deu recentemente com a visita feita pela Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nas cidades de Boa Vista e Pacaraima. A missão foi batizada com o nome de “Fronteiras Brasil/Venezuela” e teve como objetivo conhecer in loco a situação que envolve a migração atual, especialmente para verificar a ocorrência do tráfico humano.
A Comissão, por meio de seus membros, realizou visitas na fronteira Brasil/Venezuela, nos abrigos dos indígenas tanto em Pacaraima quanto em Boa Vista e participou de audiências com a Polícia Federal, com a governadora do Estado e outras organizações da Sociedade Civil. Outra ação foi a visita ao espaço onde é servido diariamente o café da manhã, conhecido como “café fraterno” com 900 refeições, oferecidas pela paróquia Sagrado Coração de Jesus, uma ação coordenada pelo padre Jesus Lopes Fernandez de Bobadilla.
A percepção, segundo a diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), irmã Rosita, é a de que a Igreja, especialmente a diocese de Roraima tem feito tudo o que pode, mas considera que ainda é preciso um apoio mais expressivo. “Vimos claramente a grande necessidade de atender urgências, pessoas que estão passando fome, que não tem o mínimo para dizer que estejam com um ambiente de dignidade”, comenta.

Para ela, dentre outros aspectos, a solução seria enviar recursos financeiros à diocese. “É preciso recursos financeiros e também porque a distância inviabiliza que se enviem outros tipos de recursos. É muito difícil enviar mantimentos devido à distância e o tempo que levariam, então eu acho que os recursos financeiros à diocese são muito bem-vindos porque ajudam a fazer a missão que devem fazer e também acabam desenvolvendo a própria região”, defende a irmã.
A diocese de Roraima chegou à conclusão que não reúne condições necessárias para atender, sozinha, a demanda por alimento, moradia e medicamento. Preocupada com a situação e para atender a urgência desse apelo, a CNBB aprovou durante a 56ª Assembleia Geral, realizada em abril deste ano em Aparecida (SP) a destinação de 40% do Fundo Nacional de Solidariedade à assistência humanitária aos desabrigados da Venezuela.
A entidade também vem mobilizando dioceses, paróquias, comunidades, congregações religiosas, pastorais e pessoas de boa vontade para ajudar com recursos financeiros.
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